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Refundar o Memorando é como reformar o Estado. Causa tanta confusão que quando leio os jornais nem sei muito bem por onde começar. Felizmente, o António Costa, do Económico, fez-me o favor de resumir (quase) todos os erros num parágrafo muito curto do Editorial de hoje. E isto facilita-me imenso a vida.

Pedro Passos Coelho tem razão - e António José Seguro não - quando afirma que a correcção dos desequilíbrios orçamental e externo tem de passar por escolhas. E as escolhas têm de passar, necessariamente, pelas áreas sociais e pelas despesas com pessoal que valem cerca de 70% da despesa corrente primária. Outro caminho - a existência de territórios sagrados, como dizia ontem João Soares - é apenas demagogia (...)

Portugal gasta qualquer coisa como 78,1 mil milhões de euros. As receitas rondam os 70,6 mil milhões de euros, o que resulta num défice de 7,5 mil milhões de euros. Portanto, se queremos fazer desaparecer o défice será necessário cortar cerca de 13% da despesa social. Mas isto não é nenhuma lei da natureza. Também podemos optar por limpar 32% da despesa não social. O resultado, ao nível de equilíbrio das contas, é rigorosamente igual.

 

O argumento de que é mais fácil cortar 13% de um lado do que 32% no outro não convence. O que se espera de uma reforma do Estado é precisamente que vá para lá de um simples 'cortar onde é mais fácil'. O que se espera é que haja uma cuidadosa ponderação da utilidade de cada rubrica da despesa e se corte naquelas cujos benefícios marginais são mais pequenos. Se eu quiser pôr o meu carro a andar mais rápido, não faz sentido atirar o motor pela janela com o argumento de que é mais pesado que o recheio da bagageira.

 

O irónico nisto tudo é que há óptimas razões para pensar que há muita despesa social cujo benefício marginal está claramente na 'zona de corte'. O meu problema com os Antónios Costas desta vida é que ao começarem a discussão com um "corte-se no social porque é lá que se gasta 70%" revelam um preconceito ideológico pouco compatível com uma reforma pensada do Estado. E ao mesmo tempo mostram que não fazem a mais pequena ideia do que significa fazer essa reforma. Tendo em conta as capacidades intelectuais aparentemente limitadas do primeiro-ministro, é perigoso que não haja, na direcção de jornais, quem seja capaz de lhe fazer um contraponto.

 

Mas isto mexe com uma questão ainda mais profunda: a ideia de que temos de cortar porque o Estado, assim, não é sustentável. Há uma verdade inconveniente a respeito disto: com uma recessão de 3 ou 4%, nenhum Estado é sustentável. Os Estados europeus não passaram a ser insustentáveis em 2009, quando a esmagadora maioria entrou em recessão e viu o défice disparar. E não foi à pressão, ou sob a lei da bala, que a Alemanha, Finlândia e Áustria voltaram a ter orçamentos próximos do equilíbrio em 2010. Foi como (quase) sempre no passado: fazer uns cortes aqui e ali e esperar que o crescimento económico tratasse do resto.

 

Um cálculo simples ajuda a dar uma ideia do que se está a passar. Imaginemos que entre 2010 e 2013 Portugal crescia a uma taxa média similar à que vigorou década anterior - um número que é, já de si, uma míngua. Imaginemos ainda que a receita fiscal mantinha o peso no PIB que tinha em 2008, e que o resto das rubricas (receita não fiscal e despesa pública) seguia o perfil que se verificou efectivamente. Nestas contas simples, Portugal teria, este ano, um excedente orçamental. E esta, hein?

 

Esta 'simulação' é feita por baixo. O pressuposto de manutenção da carga fiscal ao nível de 2008 tem implícito, por exemplo, que não se teriam verificado as alterações fiscais (IVA e IRS) implementadas pelo Governo. Mas o propósito é só um: dar uma ideia do impacto que o crescimento económico tem nas contas públicas. E mostrar, de passagem, por que é que é ridículo que se fale em 'cortar para tornar as contas sustentáveis'. Com a economia a cair desta forma, não há contas sustentáveis, por muito que cortemos, porque há efeitos de feedback negativo que acentuam a queda da economia.

 

Se o critério de sustentabilidade é a existência de défice, podem tirar o cavalinho da chuva: nunca vamos lá chegar por esta via. Portugal, Grécia e Irlanda já apertaram mais o cinto em dois anos do que a Alemanha em duas décadas. A experiência grega devia ser um wake up call para toda a gente que acha que é tudo uma questão de vontade política. Se com tudo o que os gregos fizeram não conseguiram equilibrar as contas, o que mais será preciso fazer? Será preciso sempre mais se a economia continuar em recessão como até agora. Tal e qual um gato que acha dá voltas cada vez mais rápidas na esperança de apanhar a sua própria cauda.

 

É importante clarificar esta questão. Mas é igualmente importante saber que a dependência do exterior encurta o nosso leque de opções. E toda a conversa dos últimos parágrafos é de importância prática limitada se quem empresta tiver uma visão diferente das coisas. Por isso, gostava de propor um reframing da questão. Não estamos a cortar porque há algo de errado com o tamanho do nosso Estado, ou porque tenhamos algum problema congénito. Estamos a cortar porque tem de ser; e porque todas as alternativas, neste momento, seriam provavelmente mais dolorosas.

 

Manter isto bem presente não nos vai ajudar a ter "finanças equilibradas", no sentido restrito - e ridículo - em que o termo está a ser utilizado*. Mas ajuda-nos a ter a cabeça fria para distinguir aquilo que temos de fazer porque somos obrigados (cortar o défice) e aquilo que podemos fazer porque queremos: a reforma do Estado. Fazer o segundo sob a pressão do primeiro é meio caminho andado para o desastre. Se não podemos ter as contas equilibradas, tentemos, ao menos, ter um país mais decente.

 

*E, pelo meio, até nos ajuda a dar o devido desconto a quem acha que temos e pôr as crianças a pagar pela escola porque senão as contas não são sustentáveis.     

 

 

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publicado às 11:39

Era mais ou menos isto, sim. Joaquim Miranda Sarmento, no Económico:

 

Falta saber se o objectivo é apenas um corte na despesa, ou existe mesmo vontade de reformar. Da forma como tudo tem sido tratado parece-me que corremos o sério risco de ser a primeira hipótese. O Governo parece preocupado apenas com o corte de 4 mil milhões. Curiosamente o valor do ajustamento orçamental para o OE/2014.

 

Aqui reside o principal equívoco: esta reforma não deve ter como principal objectivo um corte de despesa. Os seus principais objectivos devem centrar-se, por um lado, na utilização eficiente dos recursos públicos. Mas sobretudo, usar esta reforma para potenciar a competitividade da economia. Deixo uma sugestão:

 

Que tal não assoberbar ainda mais Vítor Gaspar com esta missão (sendo que ele não é um gestor de processos, mas um macroeconomista)?

Que tal delegar a missão no ministério da Economia, criando um "czar" para a reforma do Estado, atribuindo o cargo a alguém com um profundo conhecimento do pais, da economia, da gestão e da administração pública e cuja honestidade, patriotismo e brio profissional estejam acima de qualquer dúvida.

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publicado às 11:17

Via Insurgente, encontrei um artigo que fala acerca do "mito" de que a dívida pública é apenas dívida que devemos a nós próprios. Mas este texto acrescenta mas confusão do que propriamente esclarecimento ao stock de conhecimento útil que circula por aí.

 

Já falei sobre isto na Douta Ignorância. Para quem não quiser seguir o link, aqui fica um resumo do argumento. A dívida da Joana é um passivo da Joana e um activo do Manel, que lhe emprestou. Se a Joana contrair demasiada dívida, a Joana está a pôr-se nas mãos do Manel, a quem terá de pagar o empréstimo (com juros) mais tarde. A benevolência do Manel é, assim, um presente envenenado: cada euro a mais que a Joana consumir alavancado no empréstimo, significa um euro a menos no futuro para pagar esse mesmo empréstimo.

 

A lógica da dívida pública é completamente diferente porque, ao contrário do que acontece no exemplo anterior, credor e devedor são a mesma pessoa. O Estado que aumenta o seu passivo para fazer estradas não está apenas a endividar os contribuintes: está igualmente a ceder-lhes o direito, enquanto 'accionistas' do Estado, a receber o capital e os juros dessa dívida. Apesar de os contribuintes não serem, obviamente, os mesmos, o país, como um todo, não está endividado. O artigo da American não nega esta trivialidade. O problema vem depois:

 

However, this sets the political system up for conflict and strife in year two, when the burden of paying the debt has to be apportioned. As we have seen, it could be divided any number of ways. However, consider this: Lois is expecting three bushels of corn, based on what she produces and her expectation of having her loan repaid. Meanwhile, Sammy is expecting two bushels of corn, based on what he produces. There are only four bushels of corn available, and there will be a political battle over who gets disappointed the most (...) in fact, in year two, the government will not want to resolve the issue of distributing the cost of the debt. Paying off the debt requires incurring political cost. The easiest thing to do is instead to roll over the debt. Moreover, Sammy is used to eating three bushels of corn, and the government does not want to have him face austerity. So it goes to Larry and Lena Lender for a loan of two bushels of corn. The government pays back Lois with one bushel and gives the other bushel to Sammy. It goes into year three with a debt of two bushels of corn. As you can see, the political incentive for the government is to go deeper and deeper in debt (...) As the debt spirals out of control, governments of failing states resort to what economists call inflationary finance. They cannot find enough Lenders to continue to pay off the Spenders. So they borrow from their central bank. The central bank in turn can only expand its lending by creating more money. If it fails to fight inflation, it risks hyperinflation.

 

Não sei se estão a perceber. O problema da dívida pública é que a dívida pública cria sempre mais dívida pública, que por sua vez cria inflação e, por consequência, hiperinflação. Aliás,  o registo histórico confirma isso. Todos os países que tiveram, em algum ponto da sua história, dívida pública, acabaram numa espécie de Zimbabué. A dívida pública é o Armagedão que leva tudo no seu caminho. Sobretudo a inteligência.

 

Agora, com cabeça, tronco e membros. A dívida pública tem problemas. O problema referido no texto, de disputa política, é real, sobretudo a partir do momento em que começa a crescer sem perspectivas de estabilização. Mas este problema não tem nada a ver com dívida pública: aconteceria exactamente o mesmo problema se estivessemos a falar de dívida privada, com um sector da economia a deter créditos sobre outro sector. 

 

Aquilo que se vê em Espanha já é uma manifestação dessa luta política. A situação é quase inevitável a partir do momento em que o fardo da dívida se acumula de um lado dos pratos da balança. Não é preciso haver Estado no meio para que haja disputas em relação a dívidas, como qualquer pessoa com olhos na cara (e sem os óculos ideológicos postos) consegue facilmente perceber.

 

 

 

 

   

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publicado às 13:16


mas estavam todos bêbados?

por JM, em 27.11.12

À terceira foi de vez: depois de três reuniões em três semanas, os ministros das finanças da zona euro conseguiram ontem à noite chegar a acordo com o FMI sobre os termos da continuação do segundo programa de ajuda à Grécia, abrindo a porta ao desembolso de um pacote de empréstimos de 44 mil milhões de euros que se fazia esperar desde Junho.

O acordo, que necessitou de quase 12 horas para ser finalizado, pôs finalmente as duas instituições de acordo sobre a forma de reduzir a dívida grega para um nível considerado credível e sustentável de 124% do PIB em 2020.


fonte: público.

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publicado às 15:38


há mais pobres que sei lá

por JM, em 18.11.12

Foi capa no público de domingo que há muitos mais pobres do que as estatísticas oficiais contabilizam". A notícia baseava-se nos cálculos de Carlos Farinha Rodrigues, que diz que há dois anos o INE se esqueceu de considerar 1,8% da população portuguesa como estando abaixo da linha da pobreza. Afirma acreditar, ainda, que "muitos mais se lhes terão juntado" de lá para cá. Não acham feliz uma estatística cuja capacidade de previsão assenta na fé?

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publicado às 01:05


falta tinta nesta parede

por JM, em 16.11.12

 

curitiba, pr, brasil

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publicado às 18:40


Austeridade de cenho franzido

por SofiaP, em 16.11.12

Seguro: Se for PM, austeridade será necessidade e não prioridade. Talvez anunciem uma obra pública apenas para a poderem de seguida cancelar. A austeridade seria, assim, a necessária alternativa à absoluta impossibilidade de avançar com aquilo que é verdadeiramente prioritário. Ou talvez apenas façam austeridade contrariados. A austeridade do Seguro é, no fundo, semelhante à austeridade do Passos. Só vem embrulhada num lacinho.

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publicado às 18:12


Refundar

por PR, em 13.11.12

Os meus dois posts anteriores podem ser enganadores. É óbvio que precisamos de reformar o Estado. Mas esta reforma nem significa aquilo que a maior parte das pessoas pensa que significa nem é, rigorosamente falando, uma panaceia para a crise em que Portugal está mergulhado. Mas vamos por partes.

 

Comecemos pelo mais simples. Há um consenso alargado em torno da baixa fraca custo/benefício dos serviços públicos em Portugal. Mas o problema actual, aquilo que nos obriga a cortar salários e subir impostos, não é a simpatia dos trabalhadores das repartições das finanças, a qualidade dos professores ou as listas de espera do SNS. O nosso problema é de contas públicas, ponto final. Se amanhã acordássemos todos com um Estado sueco, o nosso problema mantinha-se. 

 

O problema também não é o Estado fazer de mais. O nosso Estado não faz de mais tendo em conta o que os outros fazem. Curiosamente, até são os Estados mais pequenos – Estados Unidos, Reino Unido, Irlanda -  que têm défices orçamentais maiores. Na Suécia, na Finlândia e na Dinamarca, onde o Estado é muito mais omnipresente, não há notícia de problemas de contas públicas.

 

Isto pode parecer uma trivialidade. Só convém repetir várias vezes para afastar a ideia, muito comum nalguns círculos, de que se tirarmos o Estado da educação e da saúde o défice desaparece. Claro que se acabarmos com a despesa pública nessas áreas, o problema do défice esfuma-se. Mas isso é tão válido para a educação e saúde como é válido para a Defesa e Negócios Estrangeiros. O que a evidência mostra é que não há nenhuma relação de longo prazo entre tamanho do Estado e tamanho do défice. Sobre isso já falei aqui.

 

A reforma do Estado é essencial. O seu propósito, porém, não é pôr as contas públicas no sítio. Para pôr as contas públicas no sítio, tanto faz um corte pensado como um corte transversal. Não precisamos de uma reforma para cortar um membro. Se queremos ficar com uma dentição mais leve, não há diferença entre tirar um incisivo ou arrancar um dente do ciso. 

 

E é por isso que é tão enganador colocar a reforma do Estado como uma medida de consolidação orçamental. Para esse objectivo, (quase) tudo serve. O propósito da reforma, refundação ou seja lá o que for, deve ser tornar o Estado mais eficiente, o que implica medidas menos pomposas, mas mais estruturantes, do que aquilo que se vê nas colunas de opinião da imprensa. Implica melhorar os mecanismos de controlo orçamental (Saúde), agilizar as análises de custo/benefício (Obras públicas), consolidar programas com objectivos duplicados (Segurança Social) e por aí fora.   

 

No fundo, é uma coisa um bocadinho mais complexa e transversal do que "acabar com o Estado Social". Infelizmente, esta transversalidade também torna a reforma menos apetecível para políticos e partidos habituados a pescar em nichos. Chama-se democracia. Mas eu dava-lhe um nome mais feio.

 

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publicado às 22:14

Seguro receia relação entre queda das exportações e austeridade. O Governo aperta o Orçamento e a economia mundial ressente-se.

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publicado às 16:08


Refundar o Estado II

por PR, em 02.11.12

É preciso refundar o Estado. Para termos uma ideia da urgência e e da absoluta inevitabilidade desta refundação, proponho um exercício. Imaginemos que entre 2008 e 2012 o PIB tinha crescido 4% ao ano em termos nominais, e que os impostos directos e indirectos tinham mantido o seu peso no PIB.

 

Neste caso, o défice real de 2012 não seria de 6%, mas de menos de 2%. O Estado gordo, obeso e incompatível com finanças públicas sãs seria um caso exemplar a nível europeu se… Hum, bom, se as coisas entre 2008 e 2012 tivessem corrido mais ou menos como correram nos trinta anos anteriores.

 

Mas é preciso refundar o Estado. Tem mesmo cara de coisa inevitável.

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publicado às 22:27

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