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Um dos blogues ali do lado dá esta semana mais uma machadada na política económica de estabilização. O argumento é simples: esta não é uma crise económica mundial, mas uma crise económica dos países sobre-endividados. Ou, como diz o autor, "se  aumentar o endividamento para estimular a economia resultasse, as economias que tivessem aumentado a dívida teriam a aumentar o peso da sua economia no mundo". Claramente, não é isso que acontece, como mostra...

 

... Como mostra...

 

Bom, como mostra um gráfico a comparar o PIB japonês com a sua dívida pública. O Japão aumentou a sua dívida e o seu peso no PIB mundial diminuiu. Sim, a "evidência" desta tese universal resume-se a isto; mas, felizmente, o que não falta por aí são exemplos a corroborá-la. Como este, da China:

 

 

 

 

Piadas à parte, esta é uma boa oportunidade para falar um pouco acerca de inferência em política económica. Ler a blogosfera tuga, por estes dias, pode ser exasperante, se pensarmos que é esta a opinião em Portugal, ou trágico, se pensarmos que há quem acredite mesmo no que escreve. E a Direita, que em tempos cultivou o hábito de chamar "economicamente ignorante" à Esquerda (não sem boas razões, diga-se em abono da verdade), parece ter assumido orgulhosamente esse papel nos últimos dois ou três anos. Aqui seguem em baixo, como diria o João Miranda, algumas dicas para não se parecer um Batista da Silva da Direita:

 

1 - A estatística dá-se mal com exemplos particulares. Um caso particular não prova nada, e mesmo dois ou três não são servem propriamente como evidência. Se quer demonstrar alguma coisa, vai mesmo ter de usar testes estatísticos. Se não quiser, não souber ou não tiver tempo para o fazer, deve pelo menos ter o cuidado de confirmar que o exemplo que citou não tem contra exemplos óbvios que o invalidem como prova. Ah, e esqueça o cherry-picking. Acredite: há sempre quem o apanhe.

 

2 - Não confundir fluxos com stocks. Esta é velhinha, mas recorrente. A hipótese fundamental da política de estabilização é que a variação do défice (um fluxo) pode atenuar ou evitar recessões, e não que o crescimento da dívida (um stock) as elimina. É possível que o défice esteja a diminuir e a dívida como percentagem do PIB aumente, e é possível que o défice esteja a aumentar enquanto a dívida diminui. Se quer analisar política de estabilização, compare o que deve ser comparado.

 

3 - Compreenda o que critica. As coisas são sempre mais complicadas e têm mais nuances do que parece à primeira vista. Um keynesiano não pede despesa para aumentar o potencial de crescimento da economia, mas para garantir que ela trabalha mais perto desse potencial. Por isso, não é correcto esperar que, segundo o keynesianismo, mais despesa ponha uma economia a crescer mais no longo prazo. Quanto muito, ela desviar-se-á menos da taxa natural de desemprego do que outra em que as autoridades adoptem uma postura passiva. É a diferença entre o curto prazo, onde a procura conta, e o longo prazo, onde é a oferta quem manda.

 

4 - Correlação não é causalidade. Se A e B surgem associados, isto pode ser porque A causa B, porque B causa A ou porque C causa ambos. No caso concreto da política de estabilização, nunca parta do princípio 'óbvio' de que é a dívida que causa o abrandamento. É igualmente provável que seja o abrandamento da economia a aumentar a dívida, via estabilizadores automáticos e política discricionária. Lembre-se que é nas estradas mais perigosas que são colocadas mais passadeiras. 

 

5 - Seja honesto. Diz-se que é possível enganar muita gente durante algum tempo ou alguma gente durante muito tempo. É uma treta - agora, nem isso. Com tanta gente a ler blogues, qualquer número martelado ou informação enviesada é apanhada em dois tempos. Um economista informado sabe que as economias menos desenvolvidas conseguem crescer mais rápido do que as mais desenvolvidas, até pelo efeito demográfico. Comparar o crescimento da China com o Japão, ou dos EUA com o mundo, só revela ignorância ou má fé. Nenhuma das duas é um adjectivo agradável.

 

6 - Evite o revisionismo. "A austeridade não está a falhar porque ela nunca foi tentada", "A inflação real está a ser escondida pelas autoridades estatísticas", "A Grécia não está em recessão por cortar o défice mas por cortar muito pouco". Não vá por aí: há um mundo lá fora. E não precisa de se desgraçar só porque não consegue convencer a audiência. Faça uma retirada estratégica e deixe o assunto morrer. Se a batalha está perdida, viva para combater noutro dia.

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publicado às 00:56


16 comentários

De Sérgio Pinto a 06.01.2013 às 06:12

Óptimo post, Priscila. Por acaso, eu tinha passado pelo Insurgente há pouco tempo e visto mais esta maravilha do Ricardo Campelo de Magalhães (e do genial autor do blog para o qual ele remete "uma análise mais profunda do tema").

Para além de tudo o que disseste, acho curioso que o genial insurgente nem sequer se lembre que a simples possibilidade de haver alguma convergência económica por parte de alguns países de grande dimensão seria sempre suficiente para que o peso das nações desenvolvidas, em termos de %PIB mundial, diminua. E essa diminuição é, genericamente, um bom sinal.

De PR a 06.01.2013 às 13:08

Sério, há aparentemente um vasto espectro de ideias que não ocorre ao RCM.

Mas o post que ele cita, na verdade, é ainda pior do que ele dá a entender. Numa leitura apressada eu apanhei os seguintes:

a) Considera que os EUA estiveram em recessão em 9 dos 10 anos da última década, porque apenas num ano aumentaram o seu peso no PIB mundial (wtf?!)

b) Assume que a dívida aumentou sempre nesse período. Ironia das ironias, a dívida caiu desde 1996/7 até 2002, quando, enquanto o PIB americano/mundial caía. E este peso só aumentou precisamente em 2009, quando o défice disparou;

c) Culpa, por alguma razão que me escapa, esta situação da... expansão monetária (?!)

d) ... Sem notar sequer que a China, a economia cujo peso mais aumentou, tem a sua moeda mais ou menos indexada ao dólar (!)

e) Compara o PIB dos países usando taxas de câmbio, em vez de Paridades de Poder de Compra

f) Pérolas como esta, que nem sequer se qualificam para ser consideradas "erradas": «Creating the illusion of economic growth is easy if you can print money. It’s a prank you can play on an entire country. Cut the value of the currency in half and the economy’s size will appear to double. If it doesn’t, you’re in recession (whether you know it or not). »

É tudo demasiado mau.

De Luís Lavoura a 06.01.2013 às 14:51

as economias menos desenvolvidas conseguem crescer mais rápido do que as mais desenvolvidas, até pelo efeito demográfico

E não só por esse efeito. Também (e principalmente) porque as economias menos desenvolvidas apenas têm que imitar coisas (métodos de organização, produtos, serviços financeiros, etc) que já foram descobertas e testadas nas economias mais desenvolvidas. Não têm qe descobrir muito de novo. Pelo contrário, as economias mais desenvolvidas, para progredirem ainda mais, têm que inventar coisas novas.

De Miguel Madeira a 07.01.2013 às 13:32

A respeito do ponto 4, temos que ter presente uma coisa: por qualquer razão dificil de perceber, os adeptos da "escola austríaca" estão convencidos que tanto o keynesianismo como o neoclassicismo (este nome existe?) são empiristas e baseiam-se apenas em "regressões" em vez de no raciocinio dedutivo. Logo, como eles acham que as teorias opostas baseiam-se apenas em correlações empíricas, acham que basta demonstrar que essa correlação não existe para refutar a tese adversária.


De Nuno Gaspar a 09.01.2013 às 01:20

Muito boa malha, Priscila. Esse post do Insurgente precisava da sova que você lhe deu. Tem graça ver uns miúdos (provavelmente) aos pulos, em mais 50 posts, com a desgraça de um interlocutor que nunca foram capazes de contestar (com o desembaraço e tranquilidade que você aqui demonstrou), cairem em tamanhas falácias e sabugices.
Há só uma coisa que não percebi no ponto 2: Se a dívida é um acumulado de défices como pode diminuir se este aumenta? Ou como pode a dívida pública portuguesa ter aumentado no último ano dramaticamente em desproporção ao défice registado? Arranjos contabilísticos de conveniência?

De PR a 09.01.2013 às 23:56

Nuno, a dívida é somatório dos défices (não é exactamente; mas é quase). A orientação da política orçamental, por sua vez, é determinada pela variação dos défices.

Imagine que eu tenho uma dívida de 1000€ em 2010 e um défice de 50€. Em 2011, tenho um défice de 25€ e a dívida, consequentemente, passa para 1050€. Repare que a dívida aumentou apesar de o défice ter diminuído. A teoria keynesiana não prevê, porém, que o crescimento acelere - por outro lado, prevê que a restrição ao défice ponha um travão na economia.

Agora imagine uma dívida de 1000€ e um excedente de 50€ em 2010. Em 2011, o excedente passa para 25€ e a dívida reduz-se para 950€. A política orçamental foi claramente expansionista, apesar de a dívida se ter reduzido.

Em suma, não é a variação da dívida que determina a orientação da política orçamental. É a variação do saldo.

De PR a 09.01.2013 às 23:58

Onde se lê 1050€ deve ler-se 1025€. Onde se lê 950€ deve ler-se 975€.

De Nuno Gaspar a 10.01.2013 às 01:29

Certo, Priscila. Também penso que deve ser assim. Então e como é que, por exemplo isto se explica
http://www.tvi24.iol.pt/economia/portugal-defice-2011-eurostat-contas-publicas-agencia-financeira/1342962-1730.html

De PR a 10.01.2013 às 10:48

Qual é a dúvida?

De Nuno Gaspar a 10.01.2013 às 11:33

Por exemplo, como é que a dívida salta de 93% do PIB, em 2010, para 108%, em 2011, com um défice de apenas 10%, em 2010?

De PR a 10.01.2013 às 17:12

Uma parte é efeito de diminuição do PIB.

A outra tem a ver com operações que caem fora do Orçamento ("ajustamentos défice-dívida"). Em teoria, somatório dos défices = dívida. Na prática, dívida = défices + operações financeiras (+ empréstimos, + compra de activos, - privatizaações, etc.)

De Nuno Gaspar a 10.01.2013 às 22:02

Priscila, quer isso dizer que há muitas despesas e receitas não orçamentadas e, ao fim ao cabo, o défice é aquele que um homem quiser? Será por isso que se prevê para 2012 novo salto na dívida pública a 120% do PIB com um défice oficial abaixo de 6%? Que raio de contas públicas são estas?

De PR a 10.01.2013 às 23:12

Não é assim tão simples. De fora do défice ficam as operações que não afectam o património líquido do estado, o que parece razoável. Imagine que eu peço um empréstimo ao Nuno e com esse dinheiro faço um depósito a prazo. A minha dívida aumentou, na mesma medida em que o meu activo. Faz sentido não considerar o primeiro empréstimo como um aumento de dívida. Da mesma forma, se eu vender as minhas poupanças (obrigações, acções, etc.) dificilmente se poderá argumentar que tive uma receita que devia abater ao meu défice. É um princípio semelhante que orienta o registo das operações nas contas públicas.

De Nuno Gaspar a 11.01.2013 às 01:04

Não entendo, Priscila. Grande parte da dívida tem contrapartida em muitos novos activos (estradas, pontes, escolas, aeroportos,...); muitos até estão a ser liquidados com o objectivo de diminuir o défice e a dívida. E que acertos financeiros são esses que têm um impacto na dívida quase tão grande ou mesmo maior do que o défice e não aparece discussão pública da sua gestão em lado nenhum?

De PR a 12.01.2013 às 13:00

O critério não é se constituem um activo, mas um activo financeiro. É a diferença entre gastar dinheiro para comprar o activo "casa" e gastar a mesma quantia para comprar o activo "depósito a prazo". No segundo caso, o activo representa apenas uma aplicação da poupança prévia.

No caso concreto de 2011, a dívida sobe mais do que o défice porque houve empréstimos a várias entidades.

De Nuno Gaspar a 12.01.2013 às 18:25

Bom, se houve empréstimos a várias entidades e não foi para efectuar aplicações financeiras e sim pagar dívidas não anteriormente orçamentadas significa que em algum momento alguém aldrabou contas.
Outra coisa, Priscila. Já reparou que na cronologia de regresso aos mercados da dívida irlandesa (Expresso Economia desta semama) o primeiro passo foi a emissão de \"obrigações patrióticas\" (chamam-lhe solidarity bonds e são de aquisição voluntária e rentabilidade acima de zero mas acho o esquema semelhante ao que falavamos no outro dia).

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