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Por que gosto de Vítor Gaspar I

por PR, em 22.01.13

A crise do euro é fascinante. Não estou, obviamente, a falar dos seus aspectos mais marcantes – o desemprego e a recessão são, em si mesmos, muito pouco fascinantes. O que é verdadeiramente fascinante nesta crise é a conjugação tão particular de causas que a fizeram germinar. Ingredientes triviais em circunstâncias normais mas que, numa união monetária de países tão diferentes, produziram uma substância suficientemente tóxica para garantir, desde o início, que a crise seria necessariamente profunda, dolorosa e muito, muito longa.

 

E o que tem isto a ver com o título do post? Bom, já lá vou. Por enquanto, um aviso à navegação: este post é muito longo. (Tão longo que, quando acabei de o escrever, tive de o dividir em três).

 

 

Os factos básicos da crise são fáceis de sumariar. Entre 1995 e 2010, alguns países (chamemos-lhes PIGS) acumularam demasiados créditos e outros países (que apelidaremos de AAA, usando uma notação obviamente arbitrária) acumularam demasiados créditos. Os detalhes do processo são discutíveis. Talvez tenham sido excessos do sector privado, ou talvez tenha sido irresponsabilidade do Governo; a ‘culpa’ pode ter sido um desajuste cambial à entrada, ou apenas falta de flexibilidade de preços e salários em alguns destes países. Mas, seja qual for a resposta para estas questões, ela não muda o essencial: quando o crédito deixou de fluir, os países devedores ficaram com a corda na garganta. 

 

Perante o aperto dos PIGS, os AAA fizeram o que tinham de fazer para que não houvesse um colapso do sistema económico e financeiro: emprestaram dinheiro. Mas este dinheiro não veio sem custos, e os AAA exigiram aos PIGS que se comprometessem a diminuir as suas necessidades de financiamento. As medidas de austeridade foram apenas o meio de garantir, em primeiro lugar, que as dívidas não entravam numa espiral incontrolável; e, em segundo lugar, que poderiam ser posteriormente pagas àqueles que se comprometeram a emprestar dinheiro quando já mais ninguém o fazia.

 

Impor condições num empréstimo é compreensível num processo deste género. E, se descontarmos algumas vozes mais histéricas à Esquerda, uma das coisas que menos indignação gerou. Mas os desenvolvimentos subsequentes começam a fazer menos sentido – mesmo do próprio ponto de vista do interesse pessoal de quem os ditou (isto é, os AAA). Por que é que os AAA demoraram tanto tempo a criar uma rede de segurança, deixando que a crise da dívida alastrasse da Grécia à Irlanda, desta a Portugal e de Portugal à Espanha e Itália? Por que é que impuseram planos de austeridade violentos ao ponto de minarem o consenso político social indespensável à sua própria implementação? E, sobretudo, por que é que fizeram ouvidos moucos à crescente evidência empírica de que austeridade excessiva pode ser contraproducente mesmo ao nível da redução da dívida?

 

Bom, aqui é que as coisas ficam interessantes.

 

Quando a Grécia pediu ajuda, em Maio de 2010, a sua dívida já estava claramente numa trajectória perigosamente próxima da insustentabilidade. Os restantes PIGS, por outro lado, estavam numa situação bastante diferente. Espanha, Itália – e, em menor grau, Portugal e Irlanda – pareciam ter apenas caído num mau equilíbrio, em que taxas de juro altas tornavam o financiamento impossível e, assim, faziam alastrar o espectro do default. A melhor opção para os AA teria sido, de longe, alargar a rede de segurança aos restantes PIGS de imediato, na certeza de que os respectivos fundamentais davam – mediante algum aperto orçamental moderado – a garantias de que o empréstimo poderia ser pago no futuro.

 

O problema, como na célebre aposta de Pascal, estava numa desproporção de fundo: apesar de o risco de o problema (default se materializar), o prejuízo dessa materialização era potencialmente devastador. A totalidade da dívida pública dos PIGS equivalia, à altura, a uma boa parte do PIB europeu - e era este o volume potencial de empréstimos que os AAA teriam de assegurar para alargar a rede de segurança a todos os países sob stress financeiro. E o problema poderia não acabar aqui, caso o contágio se espalhasse ainda mais e deixasse os AAA com mais “bébé abandonados” ao colo (algo que não foi assim tão implausível - recorde-se as afirmações de Lagarde, à altura de ministra francesa, a garantir que "a França não é Portugal"). O problema nunca foi a Grécia, mas o perigoso dominó que vinha na sua sequência.

 

Faria algum sentido pensar, na altura, que Espanha, Itália e os fregueses que se seguissem pudessem vir posteriormente a torcer o nariz ao pagamento da dívida, caso não tivessem sido empurradas pela austeridade para recessões prolongadas? A probabilidade era baixa, mas é pelo menos plausível aceitar que havia uma probabilidade reduzida, mas real, de Governos como os de Berlusconi ou Zapatero (estas coisas costumam ser bastante transversais ao eixo Esquerda-Direita) viessem posteriormente a rejeitar sequer as medidas estritamente necessárias para colocarem a dívida numa trajectória sustentável. Tendo em conta os problemas subsequentes em Itália, e o discurso que veio a predominar em alguns círculos, talvez a probabilidade expectável não fosse, mesmo à altura, tão bão baixa quanto isso. E o paradoxo de Pascal garantia que mesmo uma probabilidade ridiculamente pequena devia ser altamente valorizada pelos AAA.

 

Ao imaginarem o resultado possível da longa cadeia de dominó que um mecanismo de salvação comum podia estar a criar, os AAA tomaram assim a opção de limitarem a sua exposição à Grécia. Sabemos o que aconteceu depois: a coisa não resultou bem e acabaram por ter de emprestar dinheiro a Portugal e Irlanda, que veio com exigências de medidas duríssimas e ajustamentos brutais.

 

E chegamos à segunda questão: faz mesmo sentido pedir tanto, tendo em conta as possíveis consequências políticas que o pushing too hard pode ter? A resposta é simples: depende. Um observador desinteressado vê os motins da Grécia – e os rebentozinhos de motins que já começam a germinar em Portugal – como um sinal de que o plano de ajustamento está a perder o seu apoio político. A solução seria, naturalmente, flexibilizá-lo ou alterá-lo por completo.

 

Mas um credor interessado irá ler os motins de forma muito diferente. Em primeiro lugar, os motins revelam que há uma predisposição social e política cada vez menor para aceitar a redução do défice – que é o mesmo que dizer pagar os empréstimos já concedidos pelos AAA. Por que é que a Grécia continua a submeter-se a planos tão duro? De novo, a resposta é fácil: porque tem de o fazer. Sem acesso aos mercados, a Grécia tem apenas duas opções: fazer o ajustamento brutal que os AAA exigem, ou abdicar desse dinheiro e fazer um ajustamento ainda mais brutal quando ficar sem dinheiro para cobrir o seu défice. O paradoxo de toda esta situação é que a contestação social, na Grécia e noutros lugares, torna os AAA menos, e não mais propensos, a ajudar os países em causa e/ou a flexibilizar as condições da ajuda.

 

A isto é preciso juntar outro elemento: à medida que o tempo passa, há cada vez mais empréstimos ‘privados’ a serem substituídos por empréstimos AAA – ou seja, à medida que o tempo passa aumenta o incentivo da Grécia (e restantes PIGS sob ajuda externa) para fazerem default sobre esses empréstimos e, sem o fardo da dívida a pesar-lhes sobre os ombros, regressarem alegremente a uma vida sem austeridade, já sem a factura dos juros a tirar-lhes 6 ou 7% do PIB todos os anos. Os AAA, naturalmente, juntam as peças e vêem um puzzle bastante diferente daquele que nós vemos. E o que vêem é um povo cada vez mais saturado de austeridade (ou seja, menos compenentrado em pagar a dívida), com cada vez maior poder de negociação sobre os próprios AAA (por deterem mais créditos) e que brevemente poderá libertar-se de toda a dor simplesmente deixando de pagar a dívida. A ideia de chupar os gregos até ao tutano pode não parecer brilhante, mas a alternativa – que passa simplesmente por confiar na boa vontade grega – é ainda pior.

 

Por esta altura, o leitor já terá percebido a razão por que os alertas do FMI foram olimpicamente ignorados. Os alertas do FMI, bem como toda a polémica em torno dos multiplicadores, podem ser interpretados da seguinte forma: para o Fundo, o impacto da austeridade na economia é tão grande que a melhor forma de reduzir a dívida passa por fazer um ajustamento mais gradual do o que está subjacente aos actuais planos de austeridade. Em suma, é melhor fazer pouco durante muito tempo do que muito durante pouco tempo. Mais tempo, portanto.

 

Mais tempo para os PIGS, porém, implica duas coisas. Primeiro, implica mais dinheiro dos AAA. Segundo, implica confiança – os AAA aceitam aumentar a sua exposição ao risco de incumprimento dos PIGS, na certeza de que uma parte do ajustamento que supostamente seria feito hoje passará a ser feito amanhã. A ideia subjacente é que, com um ajustamento mais suave, todos ganham: os PIGS, porque passam por menos agruras; e os AAA porque serão credores de países com dívidas mais sustentáveis.

 

Mas suponhamos, por um momento, que os PIGS não são credíveis. Suponhamos que há o risco de que o ajustamento de amanhã não possa – como de facto não pode – ser garantido hoje. Suponhamos ainda que há confrontos nas ruas, conflituosidade social e uma estória de negociações atribuladas tornam. Neste caso, os AAA têm todas as razões para acreditar que os PIGS não estão apenas a tentar espraiar o ajustamento ao longo de um período de tempo mais alargado, mas sim, efectivamente, a tentar evitá-lo. Os AAA estão assim a assumir um risco adicional – os empréstimos adicionais que terão de fazer – de meterem dinheiro num país onde o ajustamento é menos provável. Em suma, estão a pôr-se a jeito.

 

Os elementos da crise do euro são assim fáceis de identificar. Dívida alta, que exige um ajustamento rápido; um perigoso equilíbrio precário que tornou o apoio à Grécia um passo difícil de dar, o que favoreceu a contaminação das áreas adjacentes. E, finalmente, uma aguda (e justificada, convenhamos) falta de confiança que torna a possibilidade de um ajustamento pausado e racional uma alternativa fora do baralhar. E tudo se conjugou, assim, para que, do ponto de vista dos credores, a estratégia de esmifrar ao máximo fosse a opção mais racional. 

 

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publicado às 23:57




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