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Uff... Foram precisos três posts, e muitos milhares de caracteres, mas aqui vai: por que é que gosto mesmo do homem.

 

 

Entre a generalidade dos portugueses – e mesmo dentro do próprio Governo, segundo se lê nos jornais – Gaspar foi sendo visto como uma espécie de extraterrestre de Frankfurt, um emissário do BCE ou um capacho da Alemanha, encarregue de seguir os ditames de Bruxelas e transformar o país num paraíso neoliberal. Mas é mais provável que desde cedo Gaspar se tenha apercebido perfeitamente do verdadeiro problema que tinha nos braços. Gaspar percebeu bem que a austeridade tinha retornos marginais cada vez menores e as metas orçamentais eram, por isso, inatingíveis; percebeu, ao mesmo tempo, que Portugal estava nas mãos dos credores, pelo menos enquanto tivesse défices primários; e percebeu bem o dilema da crise do euro, que fazia com que os países do centro tivessem todo o interesse em chupar a periferia até ao tutano.  

 

Em suma, Gaspar sabia perfeitamente que o que Portugal precisava era de mais tempo para cumprir o programa de ajustamento. E, ao mesmo tempo, Gaspar sabia perfeitamente que a Europa só estaria disposta a conceder essa benesse quando houvesse suficiente confiança para que um acordo de longo prazo desse género pudesse ser realizado. Gaspar queria tudo aquilo que o PS queria. E, para o conseguir, fez tudo aquilo que o PS criticava.

 

É como ter um aumento: quem quer subir na carreira tem mais sucesso a trabalhar para isso, e aceitar o aumento quando chegar a hora, do que passar a vida a pedir uma promoção.  

 

Em retrospectiva, é fácil ver isto. Gaspar não vacilou perante desvios na execução orçamental, e apresentou medidas adicionais a cada buraco que aparecia debaixo da carpete; seguiu impávido e sereno perante as críticas de que “não ouvia as pessoas na rua” e recusou sempre o discurso da vitimização, da revisão dos juros e das metas orçamentais – mesmo quando ambos foram sendo sucessivamente revistos. Ignorou os avisos dos senadores da pátria para quem “há um limite para a austeridade” e continuou em frente, com uma firmeza e indiferença chocantes. Mas a firmeza e a indiferença eram, acredito, parte integrante de uma estratégia de credibilização do ministro das Finanças.

 

O discurso ‘para fora’ também serenou os mercados – uma estratégia de marketing brutal, se tivermos em conta que os fundamentais da economia portuguesa estão hoje substancialmente mais débeis do que há um ano ou 18 meses. Mas se Portugal voltar aos mercados nos próximos tempos, como agora parece cada vez mais certo, esta será mais uma vitória de Gaspar. Ter acesso a financiamento próprio significa depender menos da Troika e, assim, alterar o equilíbrio de forças na negociação. Até aqui, Portugal cumpria porque tinha de cumprir para ter dinheiro. Agora, a situação alterou-se um bocadinho.

 

Acesso a financiamento próprio e uma relação de confiança são os melhores activos que Portugal podia querer para renegociar as condições do Programa de ajustamento. O capital de confiança já foi posto a render – o que foram as revisões do défice de 2012 senão uma alteração das condições? Sabendo de antemão que previsões em economia são uma empreitada arriscada, gostava de fazer aqui a minha, sujeita apenas ao cumprimento de uma condição: se as emissões de dívida correrem bem, Portugal acabará por ter, mais cedo ou mais tarde, uma revisão das metas orçamentais para este ano e para o próximo. Estas revisões podem assumir a forma dura de uma mudança de objectivos, ou apenas a autorização para que sejam usadas receitas extraordinárias. Mas a ideia de fundo, transversal às duas hipóteses, é simples: alterado o jogo de forças, e depois de todas as provas de confiança dadas por Portugal, é do próprio interesse da Troika tornar o ajustamento menos doloroso. A estratégia de chupar até ao tutano já não é a melhor opção.

 

Para terminar, apenas três observações. A primeira é uma lamento. Ao contrário do João Miranda, não penso que Gaspar venha posteriormente a ser recordado como o salvador da pátria. Pelo contrário, acho que Gaspar ficará para a história como um doido varrido que aceitou pôr os números à frente das pessoas, para quem o défice valia mais do que o desemprego e que submeteu um país soberano aos ditames da Alemanha. Os críticos têm razão na avaliação, mas estão enganados na substância, porque são precisamente estas características que vão permitir a Portugal tornar mais suave, e não mais duro, o ajustamento.

 

A segunda observação é  uma ironia. Há dois anos que toda a gente pede políticas de crescimento. Mas políticas de crescimento só há três: reformas estruturais, que só actuam no longo prazo; política monetária, que é coutada do BCE; e política orçamental, que consta, basicamente, de aumentar o défice. No contexto de Portugal, falar em políticas de crescimento era falar em políticas que chocavam directamente com a prioridade número 1, que era baixar o défice. Por isso, políticas de crescimento seriam, no limite, reduções do défice menos agressivas do que o planeado. Ora, foi exactamente isso que Gaspar conseguiu, está a conseguir e, penso eu, conseguirá negociar. Vítor Gaspar, o homem do crescimento económico. E esta, hein?

 

Finalmente, a terceira observação. Não é muito fácil avaliar ministros. Grande parte das avaliações que vejo limitam-se a traduzir índices de popularidade, o que normalmente não está relacionado com a qualidade das políticas públicas apoiadas (este parece ser o critério implícito na avaliação de ministros feita anualmente pelo Expresso). Noutros casos, é difícil perceber o que é que é mérito de um ministro e o que é que é imposto pelos constrangimentos da situação. Por exemplo, não é claro que um homem que salta do quarto andar para se salvar de um incêndio seja um tipo fora de série. A sua atitude espectacular é apenas um subproduto de circunstâncias infelizes. Da mesma forma, não tenho dúvidas de que muitas das coisas bem feitas por ministros deste Governo são feitas mais por pressão do que por convicção.

 

Um critério mais justo para determinar o que é um bom ministro é avaliar apenas as suas acções que poderiam facilmente ter sido diferentes caso estivesse outra pessoa no seu lugar. É fácil ver que Vítor Gaspar não poderia ter deixado de apresentar Orçamentos duros e tornar-se persona non grata por todos os cortes que fez. Por outro lado, é ainda mais fácil imaginar como se teria desenvolvido todo o processo caso o seu posto tivesse sido ocupado por alguém diferente. E o processo, neste caso, é tudo.

 

Se o critério for esse, Vítor Gaspar é, sem dúvida, um óptimo ministro das Finanças.

  

 

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publicado às 00:21


3 comentários

De Luís Lavoura a 06.02.2013 às 12:59

Tendo a, cada vez mais, concordar com este post.
Vítor Gaspar já (há muito tempo) percebeu que uma reestruturação da dívida portuguesa é inevitável. E já está a trabalhar para a obter. Lentamente e com discrição, como convem. Mas mantendo sempe a posse de aluno obediente e cumpridor.

De NG a 06.02.2013 às 16:06

Que é um grande artista de teatro? Restam poucas dúvidas. Em 21 de Março de 2011 ouviram-se as pancadinhas de Moliére.

De Luís Lavoura a 06.02.2013 às 16:09

É de facto um grande artista de teatro. Pela forma como fala parece lerdo, mas vendo com mais atenção percebe-se que, embora lento, raciocina perfeitamente. Quanto às pancadinhas, o futuro dirá quem é que tem os parafusinhos.

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