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O Samuel de Paiva Pires refere os números da execução orçamental de 2012, que mostram uma quebra brutal das receitas fiscais apesar da subida das taxas de imposto. E pergunta: isto não tem nada a ver com a curva de Laffer? Bom… não. E é muito fácil perceber porquê.

 

Acerca da curva de Laffer já falei aqui (e nos posts seguintes); mas a ideia com que fico é que este é um daqueles temas de Sísifo; por muito que se explique bem as coisas, quando se pensa que a pedra está bem presa no topo da montanha e se vira as costas para voltar cá para baixo, lá começa ela lentamente a rebolar pela encosta. Ainda assim, aqui vai uma segunda tentativa.

 

Algures entre os anos 70 e 80, Arthur Laffer avançou (ou recapitulou, segundo o próprio) a ideia de que há um ponto óptimo para o nível de impostos. O raciocínio de Laffer baseava-se na ideia de que impostos mais altos têm dois efeitos que actuam em sentido contrário: por um lado, aumentam a receita por aplicarem uma taxa maior aos rendimentos sujeitos a tributação; por outro, desincentivam a criação de riqueza e acabam, assim, por reduzir a base de incidência fiscal. Conjugando os dois efeitos, chega-se à conclusão simples de que há um nível de impostos óptimo que maximiza a receita.

 

Agora, é preciso notar uma coisa. Laffer não argumentou que os impostos reduzem a procura e deprimem a actividade económica – esse é o canal keynesiano que já se conhecia desde os anos 40. E, a esse nível, tanto faz ser aumento de impostos ou redução de despesa, porque subir o IRS sobre a generalidade dos trabalhadores não é significativamente diferente de cortar salários e pensões. As ideias de Laffer eram precisamente os alicerces da economia da Oferta, segundo a qual as subidas de impostos tornariam a criação de riqueza menos rentável, atirando a economia para um nível de actividade permanentemente mais baixo

 

Como é que sabemos que não é isto que está a acontecer? Esta é fácil. Se houvesse um problema de incentivos, a contracção da actividade estaria a ser causada pela diminuição da produtividade. Mas não há nenhuma diminuição da produtividade: o que vemos é uma quebra brutal do emprego. É um problema de procura. E se é um problema de procura, a culpa da recessão recai sobre todas as potenciais componentes da procura: subida de impostos, sem dúvida, e… cortes na despesa pública. Mas não há grandes novidades aqui. Isto é apenas o equivalente a dizer que uma política orçamental contraccionista é… bom, contraccionista.

 

Agora, será possível argumentar que a subida de impostos tenha reduzido a colecta fiscal através de mecanismos keynesianos? É possível, mas é uma história difícil de engolir. Uma subida de impostos tem, no curto prazo, um efeito de redução do rendimento disponível das famílias e empresas, que diminui a procura e, consequentemente, o PIB. Assim, o impacto orçamental real da subida de impostos é inferior ao que seria estimado através da simples aplicação mecânica das novas taxas à base de incidência anterior. Mas acontece exactamente o mesmo com a despesa pública. Se o Estado cortar 100€ de despesa, o impacto negativo na economia desta poupança irá gerar desemprego, que implica subsídios e outras ajudas, fazendo com que a redução líquida de despesa seja inferior ao que se esperaria sem levar em conta os efeitos de feedback. Mas é altamente improvável que a contracção na economia alimentada pela contracção orçamental seja suficiente para anular os efeitos orçamentais das poupanças iniciais – sejam do lado da receita, sejam do lado da despesa.

 

A ideia com que fico, quando vejo argumentos destes, é os seus proponentes não percebem como funciona uma economia integrada, onde a despesa de um sector é receita do outro. E isto vale tanto para os impostos como para os gastos públicos. Quem defende que a subida de impostos está a conduzir a menos arrecadação fiscal está, mesmo que não o saiba, a defender uma doutrina acerca da ligação entre política orçamental e actividade económica segundo a qual um corte de despesa acabaria também por se anular a si mesmo.

 

Ok, e agora a sério: como é que o Estado aumentou as taxas e os impostos desceram? Não está isto em contradição clara com o que acabei de explicar? Não. O Estado não aumentou apenas os impostos: também cortou despesa, e muito. Despesa que paga IRS e contribuições (salários dos funcionários públicos), IRC (compras de bens e serviços) e IVA (salários, transferências, bens e serviços, etc., etc.). Com cortes desta dimensão, estranho seria que os impostos não caíssem. Qual é exactamente a dúvida?

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publicado às 02:05


28 comentários

De NG a 26.01.2013 às 13:38

Priscila,
Deixemos o geral e vamos ao particular: o caso dos restaurantes. É verdade que os cortes na despesa retiraram muito dinheiro disponível para as pessoas sairem a jantar fora, OK. Mas gostava que me explicasse como tem a certeza que a receita fiscal não teria sido maior e a despesa com subsídios de desemprego aos funcionários dos estabelecimentos e fornecedores que foram forçados a encerrar menor caso o IVA não tivesse aumentado. Chame-se Laffer ou o que se quiser mas, concretamente, quais as razões que defendem esta medida de ser caracterizada como uma forma estúpida de agravar o défice público e a miséria social?

De PR a 26.01.2013 às 15:57

Eu não tenho a certeza de nada. Limito-me a constatar que, tendo em conta a mecânica interna da economia, é altamente improvável que uma medida de consolidação orçamental do lado da receita conduza a menor receita. Por outro lado, é altamente provável que um corte de despesa tenha essa redução de receita como resultado. É preciso ser muito insensível à evidência para acreditar na primeira hipótese, sobretudo tendo em conta que há uma alternativa muito mais plausível.

Não conheço bem o caso concreto dos restaurantes. O que seria necessário para que a medida fosse 'self defeating' era que o efeito 'actividade' se sobrepusesse ao efeito 'taxa mais alta'. Como a taxa mais do que duplicou, estamos a falar de uma redução de actividade da ordem dos 50%. Se alguém me apresentar números desses, admito pensar no caso. Para já, o que ouço são palpites.

De NG a 26.01.2013 às 18:28

"é altamente improvável que uma medida de consolidação orçamental do lado da receita conduza a menor receita"

É. O estado que cobre 100% do rendimento da actividade deve ter muitos contribuintes.

"Como a taxa mais do que duplicou, estamos a falar de uma redução de actividade da ordem dos 50%.".

Ó Priscila,
Pode disfarçar a pobreza do seu raciocínio com "self-defeating" ou outra expressão qualquer. Toda a gente percebe que a contribuição para o estado de uma determinada actividade não se resume a IVA. Tem lá, entre outras contribuições e taxas, o IRS dos empregados, contribuições para a Segurança Social, o IRC, dos próprios e da cadeia de fornecedores,... Tudo isso desaparece quando os estabelecimentos fecham portas e os clientes decidem substituir a sua refeição por pão com azeitonas, em casa. Essas contribuições para o Estado são substituídas por despesa em subsídio de desemprego, emigração ou suicídio.
O seu post e o seu comentário são muito úteis, Priscila. Ilustram e fazem temer que há pessoas com poder de decisão que pensam que as coisas se passam mesmo assim, com arranjos de aritmética simples e narrativas a jeito.

De PR a 27.01.2013 às 00:59

Nuno, se não estava disposto a pensar, podia ter avisado logo. Bem me poupava um comentário.

De NG a 27.01.2013 às 01:08

Se pensar muito será necessário uma redução de actividade de mais de 50% para aceitar que um aumento da taxa de IVA em mais do dobro conduz a uma diminuição de receita fiscal?

De PR a 27.01.2013 às 01:43

Hum... Um estudo encomendado pela AHRESP. Que escolha de fontes tão selecta. Tenho aqui também um do Governo, se quiser contrastar opiniões.

Curios e ironicamente, o próprio estudo da AHRESP acaba por me dar razão. Ora vá lá ler o que recomenda em vez de andar por aí a papaguear; e quando se tiver informado, apareça para trocarmos impressões. Senão a coisa é um bocado injusta: o Nuno atira o barro à parede e eu gasto o meu latim a limpar a porcaria que por lá deixa :-)

De NG a 27.01.2013 às 14:43

Não entendi, Priscila. A que se refere?
Será a isto: "Efeitos orçamentais negativos de 204 a 235 Milhões de euros"?

Mas se o o estudo do governo lhe parece mais isento, venha ele.

Outra coisa. Que estatística é esta que com aumentos brutais de preços apresenta baixa da taxa de inflação?

De PR a 27.01.2013 às 23:40

Slide 22 - "O efeito fiscal líquido direto traduzir-se-á num aumento de
receita para o Estado, em 2012 e 2013".

De NG a 28.01.2013 às 00:30

Slide 26 - "É provável que, em 2012, o impacto do aumento do IVA tenha sido positivo nas contas do
Estado. No entanto, estima-se que em 2013 o saldo rapidamente se torne negativo num valor
deveras significativo e que pode mesmo anular ou inverter o ganho obtido em 2012."

Tem de levar até ao fim, Priscila. "Pick and Choose" não vale.
Como as receitas de IVA já se reduziram, e muito, em 2012, vamos ver como será em 2013 e 2014. Teremos certamente oportunidade de recordar esta conversa.

De PR a 28.01.2013 às 12:21

Nuno, se está a discutir a queda da receita fiscal, o que interessa é o "efeito fiscal líquido directo", e não o "efeito fiscal líquido directo" + efeito despesa social + efeito rédito + (...).

Também é curioso que num post que tenta explicar precisamente que a queda do IVA não resulta da subida da taxa média de IVA o Nuno argumente que a nova queda do IVA em 2013 lhe dará razão. Mostra que nem sequer percebeu o básico.




De NG a 28.01.2013 às 14:04

"a queda do IVA não resulta da subida da taxa média de IVA"

Mas o que interessa é a receita do IVA ou o balanço orçamental? Este aumento concreto contribui ou não para o agravamento do défice?
Este caso concreto é ainda mais grave porque se relaciona com uma das principais actividades exportadoras, o turismo, cuja cadeia de valor dos factores de produção é maioritariamente nacional (´pessoal, vinho, azeite e batatas), não é exportar gasolina e importar petróleo. Não vamos precisar de esperar muito para saber se esta medida não vai parar aos casos de estudo dos manuais de economia.

De Guilherme a 26.01.2013 às 15:25

Se o Governo mantivesse exactamente mesma carga fiscal e nao tocasse na despesa não estariamos de qualquer modo destinados a ter menos receitas fiscais devido à contração da economia (que não resulta da politica orçamental)?
Podemos dizer que o aumento de impostos é que impediu uma quebra maior?

De Carlos G. Pinto a 28.01.2013 às 09:26

Um problema de procura? O único problema económico com a procura é ser infinita. Os recursos, esses sim, são escassos. As necessidades, "a procura", são ilimitadas.

As pessoas continuam a querer consumir e investir bastante, mas as coisas certas, ao preço certo. Há 6 mil milhões de pessoas no Mundo a consumir, a "procurar", só que não procuram aquilo que nós produzimos. E isto não é um problema de procura, é de oferta.

O problema económico fundamental de Portugal é de alocação de recursos. No passado houve uma péssima alocação de recursos que hoje está a ser desmontada, o que causa desemprego de factores. Um bom exemplo é o sector da construção. O problema do sector da construção não é falta de procura, é ter havido procura artificial em demasia no passado que sobredimensionou o sector. No passado tivemos demasiados recursos alocados ao sector da construção que agora deixaram de ser "procurados". Mas não se criaria riqueza hoje desviando novamente recursos para a construção de forma a utilizar os recursos desempregados. Pelo contrário, só se criará riqueza deixando o sector voltar a uma dimensão relativa que reflicta as preferências dos consumidores.

De PR a 28.01.2013 às 12:33

Esclarece-me uma dúvida: tu achas que este não é um problema de procura ou pões em causa a possibilidade de existirem sequer problemas de procura?

Se for o primeiro caso, ainda posso tentar argumentar. Por exemplo, um sintoma de que este não é (pelo menos completamente) um problema de realocação é o facto de o desemprego subir em todos os sectores de actividade.

Já se for o segundo....

De Carlos G. Pinto a 28.01.2013 às 17:28

É mesmo o segundo e não, o desemprego, não está a subir igualmente em todos os sectores. Por exemplo, no têxtil falta mão-de-obra. http://sicnoticias.sapo.pt/economia/article1575333.ece http://www.portugal.gov.pt/media/630155/20120619_relatorio_emprego.pdf

A questão fundamental da economia é mesmo essa: as necessidades são ilimitadas e os recursos são escassos e não o contrário. A utilização dos recursos adapta-se às preferências através do mecanismo de preço. Quando esse mecanismo de preços é manipulado, pode haver uma alocação de recursos ineficiente durante algum tempo que necessitará de ser ajustado

Quanto maior for o ajustamento, maiores e mais longos são os custos friccionais em termos de desemprego de factores. E a crise até pode ser transversal a todos os sectores, apesar do ajustamento ser sectorial. Por exemplo, um sector da construção sobredimensionado, também sobredimensiona as empresas que prestam serviços à construção, e as empresas que prestam serviços às empresas que prestam serviços à construção, etc... O que acontece nestes casos é que os primeiro sectores a sair da crise serão aqueles mais distanciados do sector sobredimensionado. As estatísticas de desemprego sectorial em Portugal não enganam. (ver aqui diferença entre sector transacionável e não transaccionavel http://www.portugal.gov.pt/media/630155/20120619_relatorio_emprego.pdf)

O melhor exercício a fazer aqui é pensar o que é que aconteceria amanhã se aparecesse uma impressora 3D barata capaz de imprimir tudo o que desejássemos a um custo mínimo. Nesse exacto momento, o sector industrial passaria imediatamente a estar sobredimensionado. Milhares de fábricas iriam à falência, assim como as empresas de serviços que as suportavam e os restaurantes que serviam os seus funcionários, etc. Haveria um tremendo aumento de desemprego em muitos sectores (arriscaria-me a dizer quase todos), mas não era um problema de procura. A economia não teria um problema de procura (as empresas industriais, sim, mas não a economia). simplesmente agora os recursos teriam que ser direccionados para outros sectores (lazer, serviços, etc) O ajustamento não se faria aumentando artificialmente a procura de produtos industriais desnecessários. Resolveria-se deixando o ajuste acontecer, permitindo que aquelas pessoas que trabalhavam na indústria, aplicassem o seu trabalho noutros sectores e os restaurante que fecharam junto às fábricas, abrissem em zonas residenciais onde agora eram mais necessários. Resolveria-se deixando que empresas que antes prestavam serviços à indústria, passassem a prestar ao sector dos serviços.

De PR a 28.01.2013 às 18:29

Carlos, nem sequer vou entrar nessa discussão.

De Sérgio Pinto a 28.01.2013 às 21:52

o desemprego, não está a subir igualmente em todos os sectores

Obviamente que nao. De forma igualmente obvia, daqui nao se extrai que nao tenha existido um problema na procura. O mesmo se aplica quando voce afirma que "O que acontece nestes casos é que os primeiro sectores a sair da crise serão aqueles mais distanciados do sector sobredimensionado. As estatísticas de desemprego sectorial em Portugal não enganam."

De qualquer forma, 2 "pormenores":
1) Onde esta' a subida galopante de salarios para os recursos/qualificacoes escassas em Portugal"?
2) O relatorio do BdP citado usa dados que comecam apenas em 2011, quando a taxa de desemprego ja andava acima de uns modicos 12%, e dificilmente se podera dizer que o "choque" teve lugar nessa altura.


O melhor exercício a fazer aqui é pensar o que é que aconteceria amanhã se aparecesse uma impressora 3D barata capaz de imprimir tudo o que desejássemos a um custo mínimo.

Nao percebo o que leva alguem a achar que um choque petrolifero e' identico 'a Grande Depressao. Tambem nao percebo porque e' que alguem acha que uma metafora que recorre a um obvio choque do lado da oferta constitui uma explicacao adequada para a crise actual. Crises financeiras, sobre-endividamento do sector privado, etc., nao sao exactamente iguais a um choque tecnologico, parece-me.

Mas talvez voce tenha uma explicacao alternativa para o facto de ter sido a 2a Guerra Mundial a permitir aos EUA sair da Grande Depressao. Certamente que a "economia insurgente" sera' capaz de oferecer alternativas engracadas.

De Carlos G. Pinto a 29.01.2013 às 06:49

1) Onde esta' a subida galopante de salarios para os recursos/qualificacoes escassas em Portugal"?

Aqui há que ter o cuidado de não se deixar iludir por valores nominais. A escassez é relativa e para a entender é necessário olhar para rácios. Por exemplo, experimente olhar para o rácio de (salários de costureira/salário de pedreiro) ou (salários de engenheiro informático/salário de engenheiro civil). O que acha que aconteceu a estes dois rácios? Se esta fosse uma epidemia de falta de procura, não acha que o problema atingiria igualmente todos os sectores?

2) O relatorio do BdP citado usa dados que comecam apenas em 2011, quando a taxa de desemprego ja andava acima de uns modicos 12%, e dificilmente se podera dizer que o "choque" teve lugar nessa altura.

Certo, podemos olhar para os dados de 2010 ou 2009 se quiser. Como disse, o ajustamento da alocação de recursos é algo que demora bastante tempo, principalmente quando não há capital financeiro disponível para olear a mudança. Quanto maior for a bolha, maior e mais longo é o período de realocação.


“Nao percebo o que leva alguem a achar que um choque petrolifero e' identico 'a Grande Depressao. Tambem nao percebo porque e' que alguem acha que uma metafora que recorre a um obvio choque do lado da oferta constitui uma explicacao adequada para a crise actual. “

Ambos os exemplos representam uma necessidade de realocação de recursos, embora o exemplo do salto tecnológico seja mais fácil de visualizar e aceitar. Mas não há nada de fundamentalmente diferente (no que toca ao desemprego) entre o ajustamento a um excesso de recursos alocado a um sector resultante de um progresso tecnológico do resultante do estourar de uma bolha sectorial. O sobreinvestimento da construção causado por um boom de obras públicas levou a um excesso de recursos especializados nesse sector. Quando acabaram os fundos públicos, milhares de trabalhadores especializados em construção viram-se sem mercado. Isto não se resolve construindo mais uma auto-estrada paralela à A1. Resolve-se deixando que pedreiros se transformem em costureiros.


Falar em problemas de procura em economia em geral parece-me errado, mas é uma discussão teórica válida. Agora, falar de problemas de procura em relação a uma economia aberta de 10 milhões de habitantes com um mercado potencial de 6 mil milhões, simplesmente não faz sentido.

De Sérgio Pinto a 30.01.2013 às 05:52

O que acha que aconteceu a estes dois rácios? Se esta fosse uma epidemia de falta de procura, não acha que o problema atingiria igualmente todos os sectores?

Naturalmente que, como é impossível que as variações salariais sejam idênticas em todos os sectores, os valores dos rácios têm de se alterar. Ou seja, a sua argumentação baseia-se na criação de pressupostos de tal forma rígidos que levem à conclusão que lhe interessa, de forma tautológica. Nem sei o que diga...

Novamente, é evidente que o problema da falta de procura NÃO tem de afectar todos os sectores de forma absolutamente idêntica. Mas, e isto deveria ser evidente, se existe escassez seja de um recurso, o seu preço tenderá a aumentar. Parece-lhe que, se amanhã a Arábia Saudita afirmasse que iria suspender a sua produção de petróleo, o aumento do preço se resumiria a uma subida relativa? Ou parece-lhe que o preço absoluto do petróleo aumentaria? Da mesma forma, se se torna óbvio que uma economia tem muito menos engenheiros bioquímicos, ou economistas de pendor astrológico, do que aqueles que necessita, o efeito sobre o salário deles deveria ser claro (e positivo).


principalmente quando não há capital financeiro disponível para olear a mudança

Por acaso, mesmo aceitando que o problema é unicamente estrutural, uma situação como a que descreve parece fundamentar o recurso a intervenção estatal (para corrigir algo que, no fundo, corresponde a uma falha de mercado).


Mas não há nada de fundamentalmente diferente (no que toca ao desemprego) entre o ajustamento a um excesso de recursos alocado a um sector resultante de um progresso tecnológico do resultante do estourar de uma bolha sectorial.

Mais uma vez, nem sei bem o que lhe diga. O sobre-endividamento do sector privado seria, em si mesmo e tudo o resto constante, uma razão para o estado intervir e compensar a quebra de procura verificada, permitindo que o sector privado desalavancasse.

Você achará que, no caso de uma crise financeira que destrua o sector bancário de um país e cujos efeitos alastrem a outros sectores, aumentado significantivamente o desemprego e, por sua vez, acabem por afectar ainda outros sectores, cujos produtos passam a ter menor procura por via do menor rendimento disponível, gerando mais desemprego, e assim por diante, a solução adequada é assobiar e esperar que passe.


falar de problemas de procura em relação a uma economia aberta de 10 milhões de habitantes com um mercado potencial de 6 mil milhões, simplesmente não faz sentido.

Lamento, mas o que não faz sentido é essa frase.

Em todo o caso, continuo curioso acerca do seguinte:
- O seu raciocínio deixa espaço à existência de multiplicadores fiscais positivos?
- Eu sei que isto ainda é mais lateral ao tema inicial do post que o resto do comentário, mas confesso que tenho alguma vontade de perguntar a todos os insurgentes o que é feito das geniais previsões de um dos gurus mais adorados (Peter Schiff) - essa hiperinflação nos EUA chega quando?!

De Carlos G. Pinto a 30.01.2013 às 06:39

"Naturalmente que, como é impossível que as variações salariais sejam idênticas em todos os sectores"

Porque é que é impossível?

"Mas, e isto deveria ser evidente, se existe escassez seja de um recurso, o seu preço tenderá a aumentar"

Não necessariamente. Há outros factores que afectam a produtividade e, consequentemente, o salário. Um deles é o capital, que também escasseia e bastante. E note-se que o próprio desemprego resultante do ajustamento pode baixar o nível de salários, através de um decréscimo do poder negocial. Daí a escassez ter que ser sempre medida em termos relativos.

"Parece-lhe que, se amanhã a Arábia Saudita afirmasse que iria suspender a sua produção de petróleo, o aumento do preço se resumiria a uma subida relativa?"

Está aí a falar de um mercado que é muito líquido (literalmente) e uniforme. O mercado de trabalho não é assim. Há diversos factores a ter em conta, a capacidade negocial, a existência de capital, etc. como disse acima, o nível salarial está a baixar porque o stock de capital, a preços de mercado, tem baixado substancialmente. A questão é que há salários que baixam muito mais que outros. E é isso que as teorias pelo lado da procura não conseguem explicar bem.

"- Eu sei que isto ainda é mais lateral ao tema inicial do post que o resto do comentário, mas confesso que tenho alguma vontade de perguntar a todos os insurgentes o que é feito das geniais previsões de um dos gurus mais adorados (Peter Schiff) - essa hiperinflação nos EUA chega quando?!"

Eu, especificamente, sou muito pouco ortodoxo em termos monetários. Se elr os meus posts sobre o ouro no Insurgente perceberá isso O Peter Schiff é, para mim, um daqueles gurus que aponta sempre para o mesmo lado e, como qualquer relógio parado, de vez em quando acerta (http://oinsurgente.org/2011/10/13/o-fenomeno-dos-relogios-parados/).

"- O seu raciocínio deixa espaço à existência de multiplicadores fiscais positivos?"

Sim, e não.

De Sérgio Pinto a 28.01.2013 às 23:18

So' mais uma pergunta: o seu raciocinio ("nao ha' problemas de procura") deixa espaco a multiplicadores fiscais positivos?

De PR a 29.01.2013 às 23:37

Acho que pode valer a pena separar águas que estão um bocado misturadas nesta discussão.

O que é relevante para o tema do post é se a subida de impostos gera ou não efeitos lafferianos que reduzem a receita fiscal.

Ora, a redução da receita num mecanismo 'lafferiano' ocorre porque as taxas marginais de imposto desincentivam o investimento (nas empresas) e a oferta de trabalho (nas famílias). É um problema de oferta porque o problema está na redução da oferta de factores produtivos, e o seu traço identificador é o facto de gerar apenas desemprego voluntário.

A oposição a um problema de oferta em que o desemprego é voluntário é um problema de procura em que os trabalhadores querem emprego e não o obtêm. O CGP fala de dois tipos de desemprego diferentes - cíclico e friccional. Mas, para o que está aqui em discussão, isso é um pouco irrelevante, porque ambos são problemas de procura - procura agregada ou procura sectorial.

Esta distinção friccional/cíclico só é relevante para o papel que a política económica pode ou não ter na amenização do desemprego. Mas isso não era bem o tema do post.


De NG a 30.01.2013 às 02:29

Priscila,
Voltando ainda ao estudo da AHRESP repare que são consideradas as duas situações. Na análise 1 "O negócio das empresas que encerram é transferido na totalidade para as empresas resistentes" e estima-se que "O efeito total é positivo em 477M€, em 2012, e negativo em 194M€, em 2013". Na análise 2 "Regista-se uma erosão no negócio das empresas que encerram que é apenas parcialmente transferido (em 40%) para as empresas resistentes" e o efeito esperado é " O efeito total é positivo em 471M€, em 2012, e negativo em 456M€, em 2013".

Mas tudo bem. Vamos a outro exemplo:

Acha que a queda brutal nas receitas de IRS entre profissionais liberais tem mais a ver com evasão fiscal http://sol.sapo.pt/inicio/Economia/Interior.aspx?content_id=67219 do que com isto http://oinsurgente.org/2012/10/24/a-insustentavel-carga-fiscal-sobre-os-trabalhadores-independentes-3/#comments ?

Qual é a pessoa que, em seu perfeito juízo, vai exercer uma actividade onde lhe retiram 78% do seu rendimento?

De Sérgio Pinto a 30.01.2013 às 06:02

Priscila, é verdade que os comentários acabaram por se afastar bastante do tema inicial do post, desculpa. Em todo o caso, quando falas dos tipos de desemprego que o CGP considera, acho que querias dizer "estrutural", em vez de "cíclico", não? Pelo que ele disse, pareceu-me que "desemprego cíclico" está no mesmo patamar que os "problemas de procura" (ou seja, não existe, o desemprego é estrutural ou friccional) - mas se calhar fui eu que não percebi o que ele quis referir.

De Carlos G. Pinto a 30.01.2013 às 06:11

O desemprego cíclico existe e deve-se exactamente ao tempo que leva a transferir factores (neste caso, o trabalho) entre os sectores sobredimensionados e os sectores subdimensionados. O desemprego cíclico será tão grande quanto maior for o sobredimensionamento e mais barreiras existirem à mobilidade.
Note-se que o desemprego cíclico até pode afectar sectores que, agregadamente, estão subdimensionados.
Por exemplo, o sector da metalurgia em Portugal pode estar subdimensionado e mesmo assim o emprego cair num primeiro momento. Isto acontece porque apesar de estar subdimensionado na sua vertente de exportação, estava sobredimensionado na sua vertente de construção. Antes que o emprego eumente é necessário que as empresas metalúrgicas que serviam a construção mudem de clientes ou diminuam a capacidade de produção, libertando recursos para as empresas metalúrgicas que servem os exportadores.

De PR a 30.01.2013 às 13:26

Eu faria uma divisão assim:

Desemprego voluntário (via Oferta) - Desemprego lafferiano causado pelo facto de os trabalhadores não quererem estar empregados (ou quererem trabalhar menos horas).

Desemprego friccional (via Procura) - Desemprego causado pelo facto de os trabalhadores estarem a mudar de actividade económica; este desemprego sobe e desce conforme os ciclos de inovação.

Desemprego cíclico (via Procura) - Desemprego causado pelo facto de a procura agregada ser inferior ao PIB potencial; aqui, as variações devem-se a oscilações na procura (que são pouco importantes se a política monetária for bem utilizada)

Quando o CGP diz que o desemprego cíclico é friccional, isto é apenas uma outra forma de exprimir a crença de que todos os ciclos resultam de alterações de preferências e portanto estão apenas a 'reconfigurar' a alocação de recursos (numa espécie de RBC). Ou seja, problemas de procura no sentido keynesiano (cíclico) não existem, apenas existem problemas de realocação (que tecnicamente são de procura, mas que ele considera de oferta, embora na prática a minha 'procura' equivalha mais ou menos à 'oferta' dele neste caso)

Acho que para perceber se o desemprego é cíclico ou friccional (e daí extrair a relevância, ou não, da política macroeconómica) pode passar por olhar para:

- Evidência de choques tecnológicos (se não existem, tem cara de cíclico);
- Crescimento de um certo sector (se não existe, parece cíclico);
- Evolução de salários (se caem em todo o lado, parece cíclico)

No caso de Portugal, não há evidência nenhuma destes elementos - as preferências dos agentes não se alteraram. O que aconteceu foi que atingimos um limite de acumulação de dívida externa, que obriga a uma desalavancagem dolorosa. Estas situações, porém, são fundamentalmente diferentes.

De Sérgio Pinto a 28.01.2013 às 16:42

Esse argumento e' identico ao dos Republicanos nos EUA. Nao surpreendentemente, e' provavel que esteja igualmente errado. Presumivelmente, se o seu argumento estivesse certo, deveriamos ter observado, desde 2009/2010 certos sectores a gerar emprego e com aumentos de salario significativos (de modo a reflectir a tal realocacao de recursos escassos e em grande procura). Nos EUA e' sabido que isso nao aconteceu - em Portugal isso aconteceu exactamente onde?

Para alem disso, enfim, talvez seja ligeiramente estranho que, de repente, grande parte da Europa e os EUA tenham sofrido um choque identico, por via da tal ma' alocacao de recursos e que, em todos eles, a enorme subida da taxa de desemprego seja apenas estrutural.

Por fim, e de forma mais generica, acho curioso que o Carlos considere que, deixando o mercado actuar livremente, a alocacao de recursos sera' mais eficiente (e que, portanto, basta tirar o Estado do caminho e a prosperidade estara' logo ao virar da esquina). Ha' uns quantos paises em que a "mudanca estrutural" (nao sei se havera' melhor traducao para "structural change") levou 'a deslocacao de trabalhadores de sectores com mais produtividade (acima da media do pais) para outros com menor produtividade (abaixo da media). Tambem nao surpreendentemente, um desses casos (mas longe de ser o unico), foi a Argentina durante os anos 90 e ate' 2002 (***) - ainda nao tenho a certeza, mas suspeito que em Portugal se tenha passado o mesmo, e nao necessariamente por culpa do Estado.

(***) Neste, como em muitos outros topicos, Dani Rodrik tem escrito coisas interessantes, como esta: http://www.hks.harvard.edu/fs/drodrik/Research%20papers/Globalization,%20Structural%20Change,%20and%20Productivity%20Growth.pdf.

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