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Ao reler a série de posts anteriores, fico com a ideia de que o raciocínio subjacente pode ser algo confuso. Deixem-me reformular, recorrendo a um exemplo que toda a gente conhece: o Dilema do Prisioneiro.
No Dilema do Prisioneiro (DP), a polícia captura dois prisioneiros, que mantém em celas separadas. Há provas suficientes para os condenar por um delito menor – digamos, 6 meses de cadeia cada um – mas que não chegam para conseguir uma grande condenação. Para que a pena máxima (5 anos, por exemplo) possa ser aplicada, é preciso que pelo menos um dos prisioneiros confesse o crime.
A solução da polícia é apresentar o seguinte acordo a cada prisioneiro: em troca de uma acusação formal do parceiro, é-lhe concedida a liberdade. Se nenhum incriminar o outro, a polícia usa as provas mínimas e consegue condenações de 6 meses para cada um. Se um incriminar o outro, é absolvido e segundo condenado a 5 anos. Se ambos se incriminarem, o resultado é uma pena de 2 anos para cada.
O dilema é fácil de perceber. Cada prisioneiro deve sempre escolher a opção de “incriminar o parceiro”. Seja qual for a opção que o outro escolher, esta é a escolha que minimiza o seu tempo de cadeia (0 anos no mínimo e 2 anos no máximo). Porém, como ambos vão pensar desta forma, o resultado final será uma pena de 2 anos para cada um – mais do que seria se ambos pudessem ter acordado previamente aquela que era, individualmente, a pior opção: não incriminar o colega. E esta, hein?
Ora bem, o DP não precisa necessariamente de ter este resultado trágico. Na verdade, uma pequena alteração das regras do jogo pode conduzir a resultados substancialmente diferentes. Imaginemos, por exemplo, que as ofertas vão sendo sucessivamente repetidas pela polícia, e que a opção dos prisioneiros (“denunciar” ou “Não denunciar”) só é validada depois de confirmada 10 vezes. Neste caso, os prisioneiros não precisam de jogar na defensiva e usar a estratégia inicial; podem, sem risco, tentar a solução de compromisso (não denunciar) e revertê-la caso não haja reciprocidade do outro lado. O DP só é um dilema se o “jogo” for em regime de one shot; se o jogo for iterado, lá se vai o dilema.
O que é que tudo isto tem a ver com Portugal? Mais do que parece, embora a analogia não seja perfeita.
O DP de Portugal é com a Europa. Assumindo que ambos os países querem que Portugal pague a sua dívida externa, e assumindo ainda que a melhor estratégia para pagar essa mesma dívida é a de um ajustamento orçamental mais lento do que o actual, deveria ser relativamente fácil que ambos negociassem uma suavização do programa de austeridade: um (a Europa) comprometia-se a dar mais dinheiro, e o outro (Portugal) comprometia-se a aplicar mais medidas, ao longo de um período mais prolongado de tempo. Na medida em que o ajustamento seria mais fácil, e levantaria menos contestação social, ambos beneficiariam.
Na prática, porém, este resultado não é fácil de alcançar. Para a Europa, esta alternativa significa expor-se a dois riscos adicionais: dar mais dinheiro hoje a um país que tem um historial de irresponsabilidade orçamental, e abdicar da certeza de que pelo menos algumas medidas de consolidação orçamental serão tomadas. A Europa tenderá assim a favorecer uma estratégia de consolidação abrupta, mesmo que um ajustamento suave seja, do puro ponto de vista da consolidação orçamental, a melhor opção. A estrutura do conflito torna esta opção uma carta fora do baralhado.
Tornar a pôr esta carta no baralho implica alterar substancialmente as regras do jogo. Como? Uma possibilidade – a única, possivelmente – é dar garantias à contraparte de que os receios implícitos à rejeição da melhor opção são infundados. Se a Europa não tiver razões para crer que Portugal não vai tentar renegar a sua dívida, estará mais disponível para dar mais dinheiro e abdicar da imposição de medidas de austeridade hoje. Isto faz-se construindo uma relação de confiança, que exige igualmente dar provas de que se é uma contraparte confiável.
É isso que Gaspar tem feito. O ‘papel de bom aluno’ é apenas uma forma de iterar o Jogo do Prisioneiro com os alemães. Ao fazê-lo, está a alargar as possibilidades de escolha para ambos os lados, e a garantir as condições necessárias e suficientes a um alargamento do prazo de ajustamento orçamental.
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