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Há por aí um novo manifesto pela redução da despesa pública. Nada contra, não fosse este facto pequenino: reduzir a despesa pública é algo que se está a tentar fazer (com sucesso relativo, assuma-se) desde há três anos para cá. É possível fazer melhor? É. Mas, convenhamos, este manifesto não dá um contributo especialmente iluminado para ajudar à coisa. E portanto inspira o regresso à vida deste blogue, um mês depois do último post.
Há quatro erros de base. O primeiro é factual. O manifesto, como muito boa gente que devia estar mais informada (lembram-se?), dá a entender que não a despesa pública é uma vaca sagrada que passou incólume à orgia de impostos de Vítor Gaspar. "Passados estes vinte meses de governação, o que os cidadãos efectivamente sentem é um aumento brutal da carga fiscal: cada vez pagam mais, sem verem, de forma palpável, a contrapartida de o Estado gastar menos".
Mas só não vêem se não quiserem. Para tornar a coisa mais "palpável", comparei Portugal com um país reconhecidamente prudente, como a Alemanha. São as chamadas "ideias barata": por muito que as atiremos pela sanita abaixo, arranjam sempre uma forma de voltar para nos atormentar.
O segundo erro é menos uma questão de facto e mais um problema conceptual, a que atribuo o nome técnico de "síndrome de pensamento rápido" - porque normalmente resulta do facto de não se querer pensar no assunto mais do que trinta segundos seguidos. Nesta categoria caem todas as críticas que se limitam a identificar uma série de bodes-expiatórios da Administração Pública onde é preciso cortar - as "fundações", "observatórios", "as 13.000 entidades que vivem do Orçamento do Estado", "empresas públicas", e por aí fora.
É óbvio que há muitas fundações e observatórios onde cortar. Mas também é óbvio, para mim, que há muitos centros de investigação académica, muitos serviços públicos e repartições que são óptimos candidatos a cortes no Orçamento de 2014. Numa análise mais fina, até seria capaz de apontar a dedo alguns médicos, professores e assistentes sociais concretos cuja dispensa dificilmente deixaria o Estado mais pobre. Infelizmente, aquilo que é óbvio para uns não costuma ser óbvio para outros, o que sugere a necessidade de encontrar algum método mais fiável (e consensual, já agora) de reformar os quadros do Estado do que simplesmente cortar onde é "óbvio" que se deve cortar.
A terceira confusão é entre eficiência e poupança. Por exemplo, quando se escreve, acerca da educação e saúde, que "Havendo iniciativa particular disponível, de génese empresarial ou social, não há razão para a discriminar e excluir das redes de prestação de serviço público. Pelo contrário, como o exemplo do modelo escandinavo bem evidencia".
A isto está subjacente a ideia de que os privados permitem uma saúde e educação mais barata, o que não me parece ter confirmação empírica. De facto, os países nórdicos são conhecidos por terem sistemas eficientes, mas se há coisas que estes regimes "bem evidenciam" é que o que é bom custa dinheiro. E não deixa de ser irónico que se pegue em países com rácios de despesa pública acima dos 50% do PIB para defender a redução da despesa pública num país que já está bem abaixo desse rácio.
Finalmente, um último erro: irrealismo. No final, o manifesto diz que "Para se atingir uma situação sustentável, a médio e longo prazo, devemos reduzir a despesa estrutural primária para 33% do PIB em quatro anos". Uma pessoa lê isto e pensa: mas onde é que foram buscar este número? Ou, de outro ponto de vista, qual é a referência, o benchmark ou o exemplo em que se baseiam para apontar para esta meta? Na Europa onde eu vivo, há apenas um país com despesa estrutural primária na casa dos 33% do PIB.
Aliás: não há nenhum.
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