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O Miguel Gonçalves é aquele rapazinho engraçado dos termos em inglês, da conversa da motivação, do emprego jovem e do bater punho. Para alguns, o Miguel é um guru do empreendorismo, incumbido de anunciar a boa nova aos jovens licenciados (e aos desempregados em geral): está nas tuas mãos mudar a situação. Para outros, o Miguel é uma fraude, que vive de catch-phrases, lugares-comuns e vende a banha-da-cobra.
Eu tenho uma visão um pouco menos extremada daquilo que o Miguel é. Mas uma coisa salta à vista: profeta do emprego ou arauto da desgraça, o Miguel parece ser terrivelmente ingénuo. Só assim se explica que dê hoje uma entrevista ao i em que o título é "Muitos dos desempregados não querem trabalhar ou são maus a fazê-lo". Duas semanas depois de ter provado o sabor agridoce dos media, o Miguel já devia saber do que a casa gasta; e ter-se exposto desta forma não abona muito em seu favor.
O Miguel diz coisas obviamente disparatadas. Afirmar que o desemprego tem uma solução pessoal ignora uns anitos largos de investigação económica acerca de rigidez nominal e outras fricções, que fazem com que o processo de ajustamento macroeconómico transcenda o nível da acção puramente individual. A sua teoria de que é tudo uma questão de querer, de desejo e de vontade choca com um problema óbvio: os portugueses (e o resto do mundo em geral) não estão hoje mais preguiçosos do que estavam em 2007.
Em suma, não foi por batermos menos punho que chegámos aqui; e não será por batermos mais que saíremos do mesmo sítio. Há aqui alguma coisa a escapar ao Miguel.
Isto não significa que o Miguel seja, em rigor, completamente inútil. Todos os atletas precisam de um treinador ao lado a gritar-lhes ao ouvido que vão chegar ao fim da prova. A certeza de que a meta é alcançável, que a vitória é possível e que somos melhores do que pensamos ser é uma condição essencial para que possamos de facto superarmo-nos. Os discursos de motivação, à la Rocky Balboa, são, num certo sentido, altamente bacocos: é necessário que quem os ouve acredite efectivamente que é um leão arrasador, um campeão invencível destinado a alcançar o pódio. Mas pôr o cérebro de molho durante breves instantes é um preço aceitável a pagar se o resultado for uma melhoria substancial da performance.
O Miguel faz bons discursos deste género. Entusiasma as massas. Puxa pelas pessoas. Quem ouve o Miguel acha que chegar mais cedo ao trabalho, e sair mais tarde, é um primeiro passo para arranjar emprego. E, num certo sentido, é. Mas se todos fizerem o mesmo, a coisa não muda em nada: continuamos com uma taxa de desemprego de 19%, com a única diferença de que trabalharemos mais duas horas por dia. Talvez o Miguel pudesse ser um excelente personal trainer. Pedir-lhe mais do que isso parece-me manifestamente exagerado.
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