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Ironia

por PR, em 07.01.13

No Expresso deste fim-de-semana, Nicolau Santos identifica os 30 maiores erros de política económica de Portugal. Percebe-se. É um tipo com faro para detectar barretes.

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publicado às 22:22

Um dos blogues ali do lado dá esta semana mais uma machadada na política económica de estabilização. O argumento é simples: esta não é uma crise económica mundial, mas uma crise económica dos países sobre-endividados. Ou, como diz o autor, "se  aumentar o endividamento para estimular a economia resultasse, as economias que tivessem aumentado a dívida teriam a aumentar o peso da sua economia no mundo". Claramente, não é isso que acontece, como mostra...

 

... Como mostra...

 

Bom, como mostra um gráfico a comparar o PIB japonês com a sua dívida pública. O Japão aumentou a sua dívida e o seu peso no PIB mundial diminuiu. Sim, a "evidência" desta tese universal resume-se a isto; mas, felizmente, o que não falta por aí são exemplos a corroborá-la. Como este, da China:

 

 

 

 

Piadas à parte, esta é uma boa oportunidade para falar um pouco acerca de inferência em política económica. Ler a blogosfera tuga, por estes dias, pode ser exasperante, se pensarmos que é esta a opinião em Portugal, ou trágico, se pensarmos que há quem acredite mesmo no que escreve. E a Direita, que em tempos cultivou o hábito de chamar "economicamente ignorante" à Esquerda (não sem boas razões, diga-se em abono da verdade), parece ter assumido orgulhosamente esse papel nos últimos dois ou três anos. Aqui seguem em baixo, como diria o João Miranda, algumas dicas para não se parecer um Batista da Silva da Direita:

 

1 - A estatística dá-se mal com exemplos particulares. Um caso particular não prova nada, e mesmo dois ou três não são servem propriamente como evidência. Se quer demonstrar alguma coisa, vai mesmo ter de usar testes estatísticos. Se não quiser, não souber ou não tiver tempo para o fazer, deve pelo menos ter o cuidado de confirmar que o exemplo que citou não tem contra exemplos óbvios que o invalidem como prova. Ah, e esqueça o cherry-picking. Acredite: há sempre quem o apanhe.

 

2 - Não confundir fluxos com stocks. Esta é velhinha, mas recorrente. A hipótese fundamental da política de estabilização é que a variação do défice (um fluxo) pode atenuar ou evitar recessões, e não que o crescimento da dívida (um stock) as elimina. É possível que o défice esteja a diminuir e a dívida como percentagem do PIB aumente, e é possível que o défice esteja a aumentar enquanto a dívida diminui. Se quer analisar política de estabilização, compare o que deve ser comparado.

 

3 - Compreenda o que critica. As coisas são sempre mais complicadas e têm mais nuances do que parece à primeira vista. Um keynesiano não pede despesa para aumentar o potencial de crescimento da economia, mas para garantir que ela trabalha mais perto desse potencial. Por isso, não é correcto esperar que, segundo o keynesianismo, mais despesa ponha uma economia a crescer mais no longo prazo. Quanto muito, ela desviar-se-á menos da taxa natural de desemprego do que outra em que as autoridades adoptem uma postura passiva. É a diferença entre o curto prazo, onde a procura conta, e o longo prazo, onde é a oferta quem manda.

 

4 - Correlação não é causalidade. Se A e B surgem associados, isto pode ser porque A causa B, porque B causa A ou porque C causa ambos. No caso concreto da política de estabilização, nunca parta do princípio 'óbvio' de que é a dívida que causa o abrandamento. É igualmente provável que seja o abrandamento da economia a aumentar a dívida, via estabilizadores automáticos e política discricionária. Lembre-se que é nas estradas mais perigosas que são colocadas mais passadeiras. 

 

5 - Seja honesto. Diz-se que é possível enganar muita gente durante algum tempo ou alguma gente durante muito tempo. É uma treta - agora, nem isso. Com tanta gente a ler blogues, qualquer número martelado ou informação enviesada é apanhada em dois tempos. Um economista informado sabe que as economias menos desenvolvidas conseguem crescer mais rápido do que as mais desenvolvidas, até pelo efeito demográfico. Comparar o crescimento da China com o Japão, ou dos EUA com o mundo, só revela ignorância ou má fé. Nenhuma das duas é um adjectivo agradável.

 

6 - Evite o revisionismo. "A austeridade não está a falhar porque ela nunca foi tentada", "A inflação real está a ser escondida pelas autoridades estatísticas", "A Grécia não está em recessão por cortar o défice mas por cortar muito pouco". Não vá por aí: há um mundo lá fora. E não precisa de se desgraçar só porque não consegue convencer a audiência. Faça uma retirada estratégica e deixe o assunto morrer. Se a batalha está perdida, viva para combater noutro dia.

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publicado às 00:56

Por esta altura, presumo que já toda a gente conheça Artur Batista da Silva, o economista do observatório da ONU que coordenou um estudo acerca dos países do Sul que concluía que o melhor seria renegociar a dívida portuguesa. O Artur, soube-se agora, não é de nenhum observatório, não é da ONU e não chegou a conclusões nenhumas. O Artur, que teve um destaque mediático ímpar nos últimos dias, talvez nem sequer seja economista. É difícil saber: a universidade onde supostamente se doutorou, parece, está encerrada há alguns anos.

 

Como é que chegámos aqui? E o que é que este caso nos ensina?

 

Parece óbvio que Artur Batista da Silva (ABS) era uma fraude das grandes. Mas doses residuais de fraude são, em parte, inevitáveis. Os jornalistas, mesmo os melhores, não podem confirmar independentemente 100% da informação que transmitem. Toda a informação mediática é produto de um conflito entre os princípios do rigor, que recomendam cautela e confirmação, e os princípios comerciais da concorrência, que obrigam a notícias rápidas e actualizadas.

 

É verdade que a brincadeira do Artur foi uma coisa em grande; provavelmente, demasiado grande para poder ser justificada com a pressa das redacções. Por outro lado, basta um pequeno pecado original de um meio de informação - uma fonte mal confirmada, uma informação mal relatada - para que o erro se propague como um vírus. Ao longo da cadeia, alguém falhou e o resto, que está habituado a assumir que o primeiro meio de comunicação já fez o fact checking, limitou-se a propagar.

 

O que é que o caso ABS nos ensina? Provavelmente, muito pouco. Talvez apenas tenhamos tido o azar de presenciar o momento em que um daqueles casos limite da curva de Gauss se manifesta.

 

O mais curioso neste caso não foi a forma como o Artur subiu os degraus mediáticos até chegar à SIC e Expresso, sem que alguém o apanhasse no caminho. O mais estranho é que ao longo deste percurso o Artur foi deixando pistas suficientes para que observadores bem informados desconfiassem dele. E é isso que me deixa pouco confortável.

 

A certa altura de um debate (julgo que o Expresso da Meia Noite, embora não tenha certeza), o Artur diz que o BCE podia emprestar dinheiro directamente aos Estados, o que daria uma grande ajuda ao orçamento dos países do Sul. Há entraves legais a isto - mas ok, é uma opinião defensável. Porém, logo de seguida o Artur espalha-se ao comprido, quando diz que Portugal devia ter as mesmas condições que os bancos com juros de 0,5% (erro nº1), quando afirma que esta manobra permitiria baixar "imenso" a despesa com juros (erro nº2) e quando defende que os juros actualmente pagos são muito altos (erro nº3).

 

O erro nº1 está em presumir que as operações do BCE podem ser equiparadas a empréstimos da Troika. Não podem. Os empréstimos do BCE são feitos a um dia ou a uma semana, e é isso que justifica a taxa de juro tão baixa. Se Portugal estiver disposto a assumir o risco de ter de se refinanciar todas as semanas, também pode conseguir taxas de juro bem mais baixas - eventualmente, na casa daquilo que os bancos conseguem. 

 

Em todo o caso, a taxa actual já é bastante baixa - pouco mais de 3,2%, segundo as informações recentes. Finalmente, e aqui chegamos ao erro nº2, qualquer revisão da taxa efectiva aplicar-se-ia apenas à nova dívida, e não à que já está em stock, pelo que o impacto no orçamento seria sempre muito mais pequeno do que se poderia supor pela mera aplicação mecânica de uma taxa de juro de 0,5% ao stock de dívida actual. Recordo que estes casos foram retirados de cinco minutos a ver o Expresso da Meia Noite. Quem quiser apreciar a figura em todo o seu esplendor (e rigor...) pode passar os olhos por este vídeo.

 

O Artur esteve à frente de jornalistas de economia, directores de jornais, opinion-makers e de muitos outros notáveis da nossa opinião pública. Eu não gosto, mas compreendo, que ninguém tenha verificado as credenciais de ABS quando ele se apresentou como economista da ONU. Tenho mais dificuldade em aceitar que ninguém se tenha lembrado de o fazer depois de ele ter começado a falar. Como é que ninguém o encostou à parede? Melhor ainda: como é que ninguém desconfiou de um homem que parece estar tão a leste do conhecimento mais básico para discutir estas questões? Há duas possibilidades. E nenhuma é reconfortante.

 

A primeira é que os interlocutores também não estão tecnicamente bem preparados. O Nicolau Santos não achou estranho que a ONU defendesse uma coisa daquelas por que não conseguiu deduzir, das palavras do ABS, que ele não fazia a mais pequena ideia de como funciona um banco central - porque, na verdade, ele próprio também não sabe. Esta hipótese, da "TV como um jogo de actores" (telegénicos mas vazios), é assustadoramente perigosa. E, tendo em conta as prestações de mulas como o Sousa Tavares, dolorosamente credível.

 

Se a razão não foi cognitiva, talvez tenha sido política. Ninguém apontou o dedo a ABS pela simples razão de que viram nele um cavalo de batalha de uma determinada posição ideológica. Só não sei o que será pior: ter opinion makers imperciais mas ignorantes, ou capazes mas comprometidos. Em nenhum caso ficamos bem servidos.

 

O meu palpite é que foi uma mistura dos dois: comentadores fraquinhos que se sentiram reconfortados em ver alguém da ONU, supostamente "especialista", a confirmar os seus preconceitos e elogiar as suas palavras. Há um caso semelhante, embora infinitamente mais grave, e que mostra bem como é fácil enganar ignorantes comprometidos: o caso Sokal. Um resumo em português da paródia está disponível em pdf. O livro é excelente.

 

E de resto, que tenham todos um Bom Natal.

 

P.S.- Acabei de reparar que o João Miranda tem uma entrada semelhante, que eu recomendo. Até porque também refere o caso Sokal.

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publicado às 14:44


poesia de casa de banho

por JM, em 15.12.12

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publicado às 19:41


Estónia, esse colosso

por PR, em 13.12.12

Via Insurgente, descobri um artigo do Instituto Von Mises acerca da prosperidade económica da Estónia. O tom é o habitual: panfletário. Mas, desta vez, o autor, Frank Shostak, vai um pouco mais longe do que a generalidade dos austríacos. Não só afirma que os cortes brutais de despesa pública na Estónia não afectaram o crescimento, como diz que o estimularam activamente.  

Against the background of a severe economic crisis in the eurozone, one is surprised to find a member of the euro area that is actually showing good economic performance. This member is Estonia. In terms of so-called real gross domestic product (GDP) the average yearly rate of growth in Estonia stood at 8.4 percent in 2011 against overall eurozone performance of 1.5 percent. So far in 2012 the average yearly growth stood at 2.8 percent in Estonia versus -0.2 percent in the eurozone.

 

A severe cleansing, i.e., the removal of various nonproductive activities is a key factor behind the success story of Estonia. Between Q3 2009 and Q1 2011 the average yearly rate of growth of government outlays stood at -7.4 percent. In short government outlays were cut sharply. Note that this purged various false activities that emerged on the back of previous loose government spending.

Eu tenho uma teoria diferente para explicar a "good economic performance" da Estónia, que deixou o nosso autor tão surpreendido. E ela está (quase) toda contada na imagem seguinte, que mostra o PIB desde 2007.

 

 

 

 

Este é o chamado "efeito base". A Estónia deu um trambolhão tão grande entre 2008 e 2010 que qualquer resquício de convergência para os valores de PIB pré-crise se traduzem num crescimento impressionante face aos trimestres anteriores.

 

Pela mesma ordem de ideias, o Sporting está em óptima posição para ter uma "performance desportiva surpreendente": qualquer vitória que tenha, neste momento, representa uma subida na tabela muito mais significativa do que aquelas a que o Braga ou Benfica podem almejar. Mas esta é uma história de debilidade e vergonha, não de saúde e vigor.  

 

O autor também interpreta a recuperação económica posterior à recessão como resultado da purga que foi feita na despesa do Estado. E afirma que a desaceleração posterior - a destruição criativa que eu, por conveniência, chamo de "diluição do"efeito base" - resulta do afrouxar do cinto e correspondente subida do consumo público.

 

Felizmente, houve países que não se deixaram seduzir pelo canto da sereia da despesa pública depois da ressaca da crise. Um tomou medidas corajosas: fez o maior corte de despesa pública da sua história recente. O outro foi insensível aos apelos austríacos e é hoje uma das economias europeias em que os gastos mais crescem. Já todos sabíamos o que vinha aí.

 

 

 

 

Bom, pelo menos o Frank Shostak sabia.

 

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publicado às 15:06


Contrato entre Gerações II

por PR, em 10.12.12

Portanto, tanto o sistema de redistribuição como o sistema de capitalização dependem do PIB e não estão imunes aos factores que o influenciam, como a demografia ou o progresso tecnológico. Tudo depende, em última análise, da produção futura.

 

O argumento mais repetido é que a capitalização aumenta a taxa de poupança da economia. E uma taxa de poupança mais alta significa um PIB futuro maior. Se é uma pequena economia fechada, a taxa de juro reduz-se e o investimento aumenta. Se é uma economia aberta (isto é, a taxa de juro é fixa), a poupança adicional representa acumulação de activos sobre o exterior e, portanto, um afluxo adicional de rendimentos no futuro. Em qualquer dos casos, mais poupança implica sempre mais possibilidades de consumo no futuro.

 

Mas será que a capitalização aumenta mesmo a poupança? Não me parece.

 

Imaginemos um qualquer período ‘t’. Em qualquer período há dois grupos de agentes: pensionistas e trabalhadores. Vejamos o que acontece em cada sistema, num período ‘t’ diferente de t0 (ou seja, t+1, ou t+2, t+3…). Vamos também assumir, por conveniência, que o rácio pensionistas/trabalhadores é constante e que todos os agentes têm as mesmas preferências em relação ao padrão de consumo ao longo da vida: poupar 10% do rendimento para consumir na velhice. Igualmente por conveniência, vamos assumir que o período de descontos seja 10 vezes maior do que o período de reforma.

 

1)   Redistribuição:

 

Trabalhadores: Rendimento = 100; Consumo = 90; Contribuições Sociais = 10. Poupança = Acumulação de activos = 100 – 90 – 10 = 0

Estado: Contribuições Sociais = 10; Pensões = 10; Poupança = Acumulação de activos = 0

Pensionistas: Rendimento = 10; Consumo = 10; Poupança = Acumulação de activos = 0

Economia: Poupança = Acumulação de activos = 0

 

2)   Capitalização

 

Trabalhadores: Rendimento = 100; Consumo = 90; Poupança = Acumulação de activos = 10

Estado: Contribuições Sociais = 0; Pensões = 0; Poupança = 0

Pensionistas: Rendimento = 0; Consumo = -10; Poupança = Acumulação de activos = -10 [Consumo é financiado pela venda de activos previamente adquiridos, no valor de 10]

Economia: Poupança = Acumulação de activos = 0

 

Para os mesmos parâmetros, a economia poupa rigorosamente o mesmo. A questão central é que, no regime de capitalização, por cada trabalhador a poupar – ou seja, a acumular a activos – há um pensionista a vender activos, de maneira que o stock de capital da economia como um todo permanece rigorosamente igual. A venda de activos, como obrigações ou acções, é a meneira que pensionista (ou investidor, vá lá...) tem de converter o título adquirido em dinheiro para comprar fraldas e muletas.

 

Há três pontos importantes a reter.

 

Primeiro ponto: neste exemplo, o montante de activos comprado pelos trabalhadores é igual ao montante de activos vendidos pelos pensionistas. Isto decorre de dois parâmetros convenientes, que permitem ilustrar melhor a ideia: taxas de poupança constantes e demografia estável. Mas é possível mexer nestes parâmetros e fazer com que a taxa de poupança dos trabalhadores aumente.

 

Se isso acontecer, há de facto acumulação de activos na economia: aquilo que os trabalhadores de hoje estão a poupar é maior do que o que os pensionistas podem des-poupar, o que aumenta o stock de capital. Porém, o mesmo é verdade para um aumento de contribuições do sistema redistributivo: se as contribuições aumentam e os benefícios dos actuais pensionistas se mantêm, o stock de capital da economia também aumenta. Ou seja, a alteração dos parâmetros não altera as conclusões de fundo.

 

O exemplo da população fixa e com taxas de poupança constantes é desejável ainda por outra razão: neste exemplo, cada geração compra os activos que a geração mais velha está a tentar vender. E isto põe em evidência as semelhanças entre a redistribuição e a recapitalização. A primeira funda-se num acordo tácito em que os trabalhadores financiam os pensionistas na esperança de que os futuros contribuintes financiam a sua própria reforma; a segunda funda-se na expectativa dos aforradores de hoje de que os títulos que compra aos aforradores de ontem serão igualmente comprados pelos aforradores de amanhã.

 

Segundo ponto: neste exemplo, os activos são comprados e vendidos pelo mesmo preço. Um pressuposto crucial é que não há crescimento económico, pelo que o PIB é constante e, assim, também os títulos que conferem um direito de saque sobre esse PIB. Não fará mais sentido admitir a possibilidade de os activos admitir que os activos podem ser vendidos de hoje valerão mais quando forem vendidos?

 

Não me parece. Ou melhor: claro que faz sentido – na prática, é isso que vai acontecer: a produtividade tende a crescer e, por isso, qualquer direito de saque tende a ganhar valor à medida que o tempo passa. Mas acho que apenas complica as contas, porque o crescimento económico ocorre quer no sistema de capitalização, quer no sistema de redistribuição. O que estamos a tentar identificar aqui é se há algum sistema que provoque alterações na poupança, que por sua vez aumente o stock de capital e o crescimento económico.

 

Terceiro ponto: é óbvio que no primeiro período - t0 - o sistema de capitalização aumenta a poupaça, porque há uma geração que acumula activos sem a correspondente geração mais velha a vendê-los. Se compararmos sistemas desde o início, a capitalização favorece a acumulação de activos. Acontece que, neste momento, a transição de um sistema para o outro só se pode fazer de duas maneiras: ou renegando as obrigações, ou emitindo dívida pública para as financiar. No segundo caso, há uma acumulação de passivos que compensa a acumulação de activos adicional que o sistema permitira se tivesse sido implementado desde o início.

 

P.S.- Este post é um resumo rápido desta troca de comentários no Montanha de Sísifo. É demais pedir a opinião do LA-C e Miguel Madeira?

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publicado às 19:56


Contrato entre gerações I

por PR, em 10.12.12

Esqueçam o post anterior. Este é um bocadinho melhor.

 

Uma crítica habitual à Segurança Social redistributiva é que é um sistema falível, porque assenta apenas na promessa do Estado de que as gerações futuras estarão dispostas a pagar as reformas dos actuais trabalhadores. Se não houver dinheiro – seja porque não há vontade das gerações mais novas de entrar no esquema, seja porque não há sequer gerações mais novas suficientes – o sistema colapsa.

 

A alternativa é um regime de capitalização, em que cada pessoa desconta uma parte do seu rendimento para depositar num fundo de activos. Este esquema parece ser imune ao problema do sistema redistributivo. O dinheiro está lá: não depende da vontade das gerações futuras ou do número de filhos que viermos a ter.

 

Na verdade, não é bem assim. Um título, como uma acção ou obrigação, também representa uma promessa. A promessa do Estado de que dentro de alguns anos cobrará as receitas necessárias para amortizar a sua dívida, ou a promessa de uma empresa de que no futuro irá pagar uma percentagem dos seus lucros. Uma obrigação – um laço, no inglês (“bond”) – significa um compromisso de pagamento... no futuro.

 

Tanto a redistribuição como a capitalização prometem, essencialmente, a mesma coisa: em troca de uma poupança hoje – que pode assumir a forma de uma contribuição ou da compra de um activo -, o aforrador ganha hoje o direito de ter amanhã um lugar à mesa. É um direito de saque sobre um bolo incerto. Se não houver bolo, o lugar à mesa não serve de nada.

 

O bolo, neste caso concreto, é o PIB. E é da evolução deste agregado que depende a sustentabilidade de qualquer um dos sistemas. Um PIB menor representa menos lucros de empresa e menos impostos para o Estado, da mesma forma que representa menos contribuições para a Segurança Social.

 

Portanto, os dois sistemas são serão diferentes se, por algum mecanismo recôndito, tiverem impacto diferenciado no crescimento do PIB. Mas isso fica para o post seguinte.

 

 

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publicado às 18:01

Carlos Guimarães Pinto, na Montanha de Sísifo:

 

É quando o envelhecimento da população se torna mais acentuado, que se torna evidente a fraqueza de um sistema de redistribuição por oposição a um sistema de capitalização. Os fundamentais económicos são fáceis de perceber. Se uma população envelhece, passa a ter uma % de população em idade produtiva menor. A única forma de se manterem os níveis de bem-estar médios, é garantir que os que se continuam a trabalhar são mais produtivos. Para aumentar a produtividade, a economia tem que se tornar mais capital-intensiva. Por definição, uma economia só se torna mais capital-intensiva se houver acumulação de capital.

 

Imaginemos uma economia fechada, com dois tipos de pessoas: trabalhadores e pensionistas. Cada trabalhador produz 100 batatas. A redistribuição é perfeita, o que significa que todos consomem exactamente o mesmo número de batatas. Ou, de forma mais formal, Consumo pensionistas = Consumo trabalhadores =produtividade x trabalhadores / (trabalhadores + pensionistas)

 

No período t - chamemos-lhe Jardim do Éden - há 50 trabalhadores e 5 reformados. O rácio pensionistas/trabalhadores é 0,1 e cada pessoa consome 90,9 batatas. 

 

A partir daqui, entra em vigor a regra P, que diz que em cada período deve transitar uma pessoa do grupo dos trabalhadores para o grupo dos pensionistas.

 

Assim, em t+1, o rácio passa para 0,12 e cada pessoa só pode consumir 89,1 batatas. No período t+2, o rácio atinge os 0,15 e o consumo per capita desce para 87,3 batatas. À medida que o tempo passa, duas coisas acontecem: o rácio pensionistas/trabalhadores sobe e o consumo individual cai.

 

Entretanto, chega o período t+49. É o período do Armagedão, em que há apenas um trabalhador e 54 reformados. Aqui, a pressão demográfica é de tal forma severa que cada pessoa só pode consumir 1,8 batatas. 

 

O que é que é necessário fazer para que o consumo não se reduza a umas míseras 1,8 batatas no período t+49? O Carlos sugere que se aumente a produtividade. E aí surge a pergunta: qual é o aumento da produtividade necessário para que se possa manter o consumo per capita fixo em 100 batatas? 

 

Em t+1, basta que a produtividade aumente 2,03%. É fácil: 2% é a taxa de crescimento normal da produtividade numa economia que se preze. Mas esta facilidade vai-se diluindo ao longo do tempo. Em t+2, a produtividade já tem de crescer 2,08% para que seja possível manter os níveis de vida médios da comunidade.

 

Esta dificuldade torna-se cada vez mais problemática à medida que o tempo passa. Em t+48, há apenas dois trabalhadores para sustentar 53 pensionistas. Manter o consumo constante no período seguinte, quando o rácio passa para 1/54, já exige que a produtividade cresça 100%.

 

Exposto desta forma, o problema de utilizar a produtividade para tornar o sistema de Segurança Social sustentável torna-se óbvio: a pressão demográfica é crescente. O rácio pensionista/trabalhadores aumenta cada vez mais de um período para o outro. Se no segundo período o rácio passa de 0,1 para 0,12, entre o penúltimo e o último ele passa de 26,5 para 54. E combater uma pressão crescente exige que se aplique uma força igualmente crescente.

 

Ora, uma maior taxa de poupança (com o correspondente aumento do stock de capital) pode aumentar o nosso nível de produtividade. Mas não pode fazer com que a taxa de produtividade aumente cada vez mais. Há um limite para o crescimento da produtividade que é possível gerar na economia. E, deste ponto de vista, mais produtividade não elimina o problema da sustentabilidade da Segurança Social: limita-se a garantir níveis de vida mais elevados para cada rácio pensionista/trabalhador. Esses níveis de vida, contudo, serão sempre decrescentes.      

 

Há alguma alternativa? Há. Uma alternativa - que tem exactamente o mesmo efeito de aumentar a produtividade - é retardar o dia do Armagedão. Ou seja, alterar a regra P, que determina que em cada período há uma pessoa a passar da vida activa para a reforma. Por exemplo, determinar que a taxa de passagem deixa de ser uma pessoa por período, e passa a ser uma pessoa por cada três períodos.

 

Esta é a via normalmente seguida nos sistemas de Segurança Social redistributivos, e que consiste no muito prosaico aumento da idade da reforma. Claro que isto apenas minimiza o problema. Mas o problema de uma sociedade em declínio demográfico é inultrapassável. E como o que não tem remédio remediado está, mais vale passar logo para a parte dos melhores paliativos. E, a este respeito, os efeitos de um aumento da idade de reforma mimetizam os de um aumento da produtividade. 

 

P.S.- E de fora desta discussão fica ainda outra questão, que é a da efectiva importância de um sistema de capitalização para aumentar a taxa de poupança. Esta ideia é um pouco falaciosa. Mas isso fica para outro post. 

 

P.S.2- E isto não significa que o sistema de capitalização não tenha vantagens face ao regime actual. Estas vantagens, porém, têm mais a ver com os incentivos microeconómicos ao nível da gestão das poupanças e com questões de transparência do que propriamente com a sustentabilidade do regime. 

     

 

 

 

 

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publicado às 21:42

Refundar o Memorando é como reformar o Estado. Causa tanta confusão que quando leio os jornais nem sei muito bem por onde começar. Felizmente, o António Costa, do Económico, fez-me o favor de resumir (quase) todos os erros num parágrafo muito curto do Editorial de hoje. E isto facilita-me imenso a vida.

Pedro Passos Coelho tem razão - e António José Seguro não - quando afirma que a correcção dos desequilíbrios orçamental e externo tem de passar por escolhas. E as escolhas têm de passar, necessariamente, pelas áreas sociais e pelas despesas com pessoal que valem cerca de 70% da despesa corrente primária. Outro caminho - a existência de territórios sagrados, como dizia ontem João Soares - é apenas demagogia (...)

Portugal gasta qualquer coisa como 78,1 mil milhões de euros. As receitas rondam os 70,6 mil milhões de euros, o que resulta num défice de 7,5 mil milhões de euros. Portanto, se queremos fazer desaparecer o défice será necessário cortar cerca de 13% da despesa social. Mas isto não é nenhuma lei da natureza. Também podemos optar por limpar 32% da despesa não social. O resultado, ao nível de equilíbrio das contas, é rigorosamente igual.

 

O argumento de que é mais fácil cortar 13% de um lado do que 32% no outro não convence. O que se espera de uma reforma do Estado é precisamente que vá para lá de um simples 'cortar onde é mais fácil'. O que se espera é que haja uma cuidadosa ponderação da utilidade de cada rubrica da despesa e se corte naquelas cujos benefícios marginais são mais pequenos. Se eu quiser pôr o meu carro a andar mais rápido, não faz sentido atirar o motor pela janela com o argumento de que é mais pesado que o recheio da bagageira.

 

O irónico nisto tudo é que há óptimas razões para pensar que há muita despesa social cujo benefício marginal está claramente na 'zona de corte'. O meu problema com os Antónios Costas desta vida é que ao começarem a discussão com um "corte-se no social porque é lá que se gasta 70%" revelam um preconceito ideológico pouco compatível com uma reforma pensada do Estado. E ao mesmo tempo mostram que não fazem a mais pequena ideia do que significa fazer essa reforma. Tendo em conta as capacidades intelectuais aparentemente limitadas do primeiro-ministro, é perigoso que não haja, na direcção de jornais, quem seja capaz de lhe fazer um contraponto.

 

Mas isto mexe com uma questão ainda mais profunda: a ideia de que temos de cortar porque o Estado, assim, não é sustentável. Há uma verdade inconveniente a respeito disto: com uma recessão de 3 ou 4%, nenhum Estado é sustentável. Os Estados europeus não passaram a ser insustentáveis em 2009, quando a esmagadora maioria entrou em recessão e viu o défice disparar. E não foi à pressão, ou sob a lei da bala, que a Alemanha, Finlândia e Áustria voltaram a ter orçamentos próximos do equilíbrio em 2010. Foi como (quase) sempre no passado: fazer uns cortes aqui e ali e esperar que o crescimento económico tratasse do resto.

 

Um cálculo simples ajuda a dar uma ideia do que se está a passar. Imaginemos que entre 2010 e 2013 Portugal crescia a uma taxa média similar à que vigorou década anterior - um número que é, já de si, uma míngua. Imaginemos ainda que a receita fiscal mantinha o peso no PIB que tinha em 2008, e que o resto das rubricas (receita não fiscal e despesa pública) seguia o perfil que se verificou efectivamente. Nestas contas simples, Portugal teria, este ano, um excedente orçamental. E esta, hein?

 

Esta 'simulação' é feita por baixo. O pressuposto de manutenção da carga fiscal ao nível de 2008 tem implícito, por exemplo, que não se teriam verificado as alterações fiscais (IVA e IRS) implementadas pelo Governo. Mas o propósito é só um: dar uma ideia do impacto que o crescimento económico tem nas contas públicas. E mostrar, de passagem, por que é que é ridículo que se fale em 'cortar para tornar as contas sustentáveis'. Com a economia a cair desta forma, não há contas sustentáveis, por muito que cortemos, porque há efeitos de feedback negativo que acentuam a queda da economia.

 

Se o critério de sustentabilidade é a existência de défice, podem tirar o cavalinho da chuva: nunca vamos lá chegar por esta via. Portugal, Grécia e Irlanda já apertaram mais o cinto em dois anos do que a Alemanha em duas décadas. A experiência grega devia ser um wake up call para toda a gente que acha que é tudo uma questão de vontade política. Se com tudo o que os gregos fizeram não conseguiram equilibrar as contas, o que mais será preciso fazer? Será preciso sempre mais se a economia continuar em recessão como até agora. Tal e qual um gato que acha dá voltas cada vez mais rápidas na esperança de apanhar a sua própria cauda.

 

É importante clarificar esta questão. Mas é igualmente importante saber que a dependência do exterior encurta o nosso leque de opções. E toda a conversa dos últimos parágrafos é de importância prática limitada se quem empresta tiver uma visão diferente das coisas. Por isso, gostava de propor um reframing da questão. Não estamos a cortar porque há algo de errado com o tamanho do nosso Estado, ou porque tenhamos algum problema congénito. Estamos a cortar porque tem de ser; e porque todas as alternativas, neste momento, seriam provavelmente mais dolorosas.

 

Manter isto bem presente não nos vai ajudar a ter "finanças equilibradas", no sentido restrito - e ridículo - em que o termo está a ser utilizado*. Mas ajuda-nos a ter a cabeça fria para distinguir aquilo que temos de fazer porque somos obrigados (cortar o défice) e aquilo que podemos fazer porque queremos: a reforma do Estado. Fazer o segundo sob a pressão do primeiro é meio caminho andado para o desastre. Se não podemos ter as contas equilibradas, tentemos, ao menos, ter um país mais decente.

 

*E, pelo meio, até nos ajuda a dar o devido desconto a quem acha que temos e pôr as crianças a pagar pela escola porque senão as contas não são sustentáveis.     

 

 

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publicado às 11:39

Era mais ou menos isto, sim. Joaquim Miranda Sarmento, no Económico:

 

Falta saber se o objectivo é apenas um corte na despesa, ou existe mesmo vontade de reformar. Da forma como tudo tem sido tratado parece-me que corremos o sério risco de ser a primeira hipótese. O Governo parece preocupado apenas com o corte de 4 mil milhões. Curiosamente o valor do ajustamento orçamental para o OE/2014.

 

Aqui reside o principal equívoco: esta reforma não deve ter como principal objectivo um corte de despesa. Os seus principais objectivos devem centrar-se, por um lado, na utilização eficiente dos recursos públicos. Mas sobretudo, usar esta reforma para potenciar a competitividade da economia. Deixo uma sugestão:

 

Que tal não assoberbar ainda mais Vítor Gaspar com esta missão (sendo que ele não é um gestor de processos, mas um macroeconomista)?

Que tal delegar a missão no ministério da Economia, criando um "czar" para a reforma do Estado, atribuindo o cargo a alguém com um profundo conhecimento do pais, da economia, da gestão e da administração pública e cuja honestidade, patriotismo e brio profissional estejam acima de qualquer dúvida.

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publicado às 11:17



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